As coisas que Lia havia dito sobre o que sentia em relação a Lucian eram verdadeiras, e antes dele tentar mata-la, as palavras dela também eram.
Naquele mesma tarde, voltando para casa, ela chorava de ódio. Ódio de si mesma por se permitir confiar em alguém. Lucian era exatamente o que ela esperava que ele fosse. Pelo menos estava feliz por estar certa.
Depois de tudo aquilo, esconder o que aconteceu ao chegar em casa era a coisa mais fácil que podia fazer naquele dia inteiro. Fazer com que os pais dela acreditassem que acabara de voltar de mais um dia chato e comum da escola.
Não podia falar aquilo com ninguém. Guardar segredos era seu forte, mas isso, era como esconder uma vida dupla. O que falaria sobre o sumisso repentino de seu tutor, de seu amigo que a acompanha até em casa?
Seus pais estranhariam, mas era melhor do que continuar mentindo e transformar tudo em uma bola de neve. Afinal, mesmo que fosse até a polícia relatar que tinha acontecido, ninguém iria acreditar, nem ela própria que acabara de viver não acreditaria.
Ela não parava de pensar no que tinha de errado com ele, ou o porque dela se sentir subitamente atraída por ele. Lucian não parecia ter muito contato humano, nem ele se lembrava da última pessoa com quem teve uma conversa por mais que alguns minutos.
Talvez tivesse na hora de Lia fazer novos amigos. Alguém que não fossem tão estranho, alguém da sua idade, que estivesse dentro de sua rotina.
Na escola, no dia seguinte. Lia ficou sentada na arquibancada durante a educação física, observando, buscando. Era a primeira vez em quase três semanas que Lucian não apareceu durante o caminho da escola para falar com ela, não que isso importasse. Ela sempre ficou sozinha antes.
Todos participavam ativamente das atividades em grupo, menos Lia.
Seus pais fizeram um pedido para a direção à alguns meses atrás, pouco depois da morte de Alex, dizendo que não importunassem com atividades sociais. Lia iria se recuperar no tempo dela, que nunca aconteceu. Só que a menina nunca soube disso.
Agora, um ano e meio depois do acontecimento que chocou todos os conhecidos, os colegas em volta de Lia a viam como uma garota estranha. Ninguém se importava. Ela só existia.
Antes de Alex virar a estrela dos campeonatos e ser popular, Lia tinha alguns amigos, que sinceramente ela não sabia se gostavam dela ou se aproximavam por pena. Ela sempre abominou esse sentimento.
Durante o intervalo, Lia decidiu, pela primeira vez em muito tempo comer a comida da escola. Ninguém via ela cruzando o refeitório a muito tempo, alguns até se perguntaram se era aluna nova.
Lia equilibrava a bandeja de plástico nas mãos, atravessando o refeitório. Durante o caminho ela esbarra em um garoto que passava, que também carregava consigo sua própria bandeja de comida.
- Olha por onde anda, babaca. - expressou entre dentes.
- Me desculpa, eu estava distraído. - ele se abaixou para limpar a bagunça, apressado. Vendo que Lia não moveu-se, o garoto levantou a cabeça para encará-la. - Ei, você é Amália!
- Eu te conheço?
Ela escondeu o descontentamento ao reve-lo. Embora soubesse exatamente quem estava a sua frente, preferiu não se manifestar. Sabia com quem estava lidando e os tipos de sentimentos que a rondou durante o convívio.
- Não lembra de mim? Nós éramos amigos no quinto ano. - ele parecia encantado, a nostalgia tomou conta, momentos e flashs emaranhavam seu consciente.
- Diego? - aquele nome a fez estremecer. Sem demonstrar surpresa, Lia reage de forma mínima, dando apenas um pequeno sorriso de canto. - Meu Deus, eu quase não te reconheci.
- Eu nunca mais te vi, achei que você tinha se mudado ou algo assim.
- Não, nós viemos para a mesma escola.
Terminando de juntar as coisas do chão, Diego percebe algumas manchas de comida na blusinha de Lia, mesmo sendo superficiais e quase imperceptíveis. Não faria muita diferença, o cheiro de gordura não ficaria por cima do perfume suave e doce da garota.
- Que coisa, eu sinto muito.
Ela encara o prato de sopa de ervilha encima da mesa e o conteúdo dele no chão, parecendo uma deplorável possa de vomito, de forma automática, Lia perde o apetite.
- Ah, tudo bem. Eu nem estava com tanta fome.
- Você quer se sentar com a gente, estamos logo ali.
Diego olha para os amigos sentados na mesa ao fundo do refeitório, um pouco desconfortáveis com o acidente, ambos acenam para ela.
- Não sei...
- Por favor. - insiste. Era o mínimo que poderia fazer, após esse constrangimento todo. Os alunos olhavam para eles enquanto uma das zeladoras chegava para limpar a bagunça.
- Pode ser. - deu de ombros.
Ambos caminharam até mesa de Diego, ele permitiu que Lia fosse na frente para poder conduzi-la com a mão mas costas dela. Era assim que eles faziam desde que se conheceram anos atrás.
Diego a levava para todos os lugares do pátio e refeitório, se dependesse dela naquela época, nem sairia do lugar.- Ei, olha quem eu encontrei.
- Amália! Quando tempo.
Sua antiga amiga levantou-se da mesa animada, lhe comprimentando com um caloroso abraço. Lia detestava, mas por pura educação retribuiu o resto, envolvendo os braços.
- Oi Chloé. - a voz dela ecoou tediosa entre o abraço, mas ninguém havia percebido.
- Vocês já se conheciam. - comentou Diogo, roubando um pouco do suco do amigo. - E esse é o Kevin.
Ele se levanta, meio envergonhado estende sua mão, não sabendo ao certo se poderia abraçá-la.
- Prazer em conhecê-la.
- Igualmente.
- Então... - Kevin parecia ter segundas intenções na voz, ele estava com o corpo um pouco declinado em direção a garota que acabara de conhecer, mas não parecia falar diretamente com ela. - Vocês ainda vão no cinema esse final de semana?
- Vamos, você pode ir se quiser.
- E ficar segurando vela? - revirou os olhos. - Não, obrigado.
- Hum... - Diego fingiu pensar, mesmo a ideia já tendo passado pela cabeça dele muito antes. - Lia, você vai estar livre sábado a noite?
Ele estava ansioso.
- Acho que sim.
- Gostaria de ir com a gente? - Chloé parecia tão empolgada quanto seu namorado.
- Sair como amigos, claro. - a observação de Kevin irritou Diego, que cutucou sua costela com o cotovelo.
- Eu adoraria.
- Perfeito! - a animação de Chloé sempre impressionava. - Nossa, eu nunca pensei que fosse encontrar você de novo. Nos éramos...
- Melhores amigas. - Lia completou, com um toque de melancolia na voz.
- Você lembra? - Chloé sorriu. - Eu lembro também que nós tínhamos um cumprimento especial.
- Verdade né?
- Você era tão tímida, tão na sua. Parece que não mudou nadinha.
- Digo o mesmo.
Chloé continuava sendo a mesma garota linda de sempre, animada, extrovertida e que atraía a atenção de quem olhasse. Entretanto, agora que Lia havia se sentado, a atenção dos três estava nela.
Assim que o sinal tocou, Lia teve um tempo para pensar. Se desligou do mundo e mergulhou profundamente em seus pensamentos.
- Nós precisamos ir. Te vejo no sábado Lia, foi um prazer te reencontrar.
- Acredite, o prazer é todo meu. - sua voz pausada e intensa chamou a atenção de Diego uma última vez.
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Na Mira Do Diabo
Mystery / ThrillerAmália nunca esteve no controle da própria vida, principalmente depois da morte do irmão mais velho. Ela sempre teve dificuldade de confiar nas pessoas e isso não mudou quando conheceu Lucian. Desde o início ela sente que há algo que errado nele, ma...