Capítulo 6

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O ambiente ficou abafado, após algumas horas sentada as pernas de Lia formigavam. Mas uma vez ela ficou na sala até depois do último sinal, esperando sua professora corrigir a prova que acabara de finalizar.

Sua garganta secou e engolir sua própria saliva acaba de se tornar impossível, sua cabeça girava. Depois de um tempo as letras no papel se misturaram e tudo não passava de um grande borrão, mas agora, mesmo após a grande tortura psicológica sua visão ainda subsistia turva.

A garota aguardava ansiosa, se mordendo de vontade de sair correndo e nunca mais voltar ali. Agora esperava em pé, ao lado da mesa de sua professora. Quando a senhorita June ergue a cabeça para dar o veredicto, Lia suspira a um misto alívio e aflição.

- Eu passei? - a pergunta veio á tona quase como súplica, esperando uma resposta positiva.

- Não.

June balançou a cabeça, franzindo o queixo. Ela parecia decepcionada, porém com cansaço evidente.

- Ah, não consigo acreditar. - sussurrou enraivecida.

- Sinto muito Amália, mas as respostas estão todas incorretas. Você ao menos estudou?

Lia prefiriu não responder, ao em vez disso pensou em alguma maneira de contornar a situação. O que seus pais iriam pensar? Eles não poderiam saber. Ela não queria preocupa-los com isso, muito menos que ambos soubessem que tal coisa era resultado da morte de Alex.

- Não tem como recompensar? - sentiu-se envergonhada só de mencionar a hipótese. Mas odiou a si mesmo pelo que veio em seguida.

- Essa já foi sua recuperação.

- E será que a senhora não tem como arredondar minha nota?

- Teria, se você tivesse alguma nota.

- Então eu fiquei no vermelho. - afirmou decepcionada. Lia abaixou a cabeça, se vitimizando.

- Se não se esforçar e não tirar uma nota boa até o próximo fechamento você irá repetir e perder o ano todo.

- Não, isso nunca! - afirmou de forma arrogante.

- Então sugiro que arrume um tutor, boa sorte.

- Obrigada.

Ao virar de costas ela revirou os olhos, com imensa raiva de si mesma e com mesmo sentimento parcial em relação a sua professora. Ela tinha que se esforçar mais, entretanto essa nota pessoal duraria pouco tempo, até encontrar qualquer coisa mais interessante para fazer.

Voltou para sua casa de bicicleta, mas teve de andar ao para atravessar o imenso gramado da praça. Ao longe percebeu Lucian, parado como uma enorme estátua, sereno e com as mãos nos bolsos. Olhou de relance para ver quanto faltava até pisar no asfalto novamente, talvez dava tempo de correr, mas não segurando a bicicleta.

- Você veio.

Lucian sorriu, meio ansioso. Lia se assustou ao vê-lo bem atrás dela, reaparecendo como se fosse um fantasma.

- Eu não tive muita escolha, aqui é caminho de casa, mas claro que você sabe disso. - Lia semicerou os olhos, desconfiada das intenções dele.

- Como eu poderia? A gente nem se conhece direito. - Lucian deu de ombros, virando o rosto para o lado.

- E o que você quer agora?

- Te ouvir.

De todas as coisas que ele poderia ter dito naquele momento, essa era a que Lia menos esperava. Isso poderia ser bom, ser ouvida, notada. Era algo inédito para ela, receber atenção, especialmente após o luto. Decidiu que independente das intenções dele iria aproveitar a oportunidade.

- O que quer ouvir?

- Não sabe por onde começar? Poderia dizer o que te aflige.

Como isso era possível? Lucian devia estar a observando de novo, se é que ele ao menos tinha parado. Ela sabe esconder bem o que sente, e ele não a conhece tão bem.

- Quer mesmo saber?

- Claro.

- Reprovei em matemática. - admitiu com um sussurou, ficando vermelha de vergonha. Não conseguia olhar para Lucian enquanto falava, por medo.

- Sério? Em que área?

Quando ela o encarou esperando sua crítica, surpreendeu se. Não havia nenhuma pitada de julgamento nele, somente curiosidade verídica.

- Álgebra Linear.

- Que isso, essa é minha parte favorita.

Lia permaneceu imóvel, esperando ele lhe dizer que era brincadeira. Lucian ficou sério como sempre e foi ela quem o julgou.

- Que tipo de psicopata tem partes favoritas em matemática? Isso deveria ser um crime.

- Vai, não é tão ruim assim. - suspirou de tédio, deixando outro sorriso escapar. Ele se aproximou novamente com movimentos quase imperceptíveis, pelo menos para Lia, que não respondeu ao gesto.

- Para você que gosta, talvez não seja.

- Ei, eu posso te ensinar. - sugeriu, a ideia já pairava sobre seus pensamentos no momento que iniciaram aquela conversa. Só que por impulso não conseguiu achar a maneira certa de introduzi-la a atual circunstâncias. - Você precisa de um tutor, não é?

- Eu não te disse isso.

- Eu sei... - coçou a nuca, nervoso.

Lia semicerrou os olhos novamente, concluindo sua linha de raciocínio.

- Onde você estava?

Já sabia bem a resposta, mas queria muito que ele admitisse. Desta vez, Lucian não teve o total cuidado de furtar seu celular.

- Trabalhando.

- Aé, e você trabalha com o que?

Lia entrou no jogo dele, desacreditada pelo seu descaramento. Ele certamente sabia muito bem o que estava fazendo.

- Eu sou açougueiro.

- Achei que era um assassino. - admitiu com uma certa parcela de humor.

Como parecia fazer a todo tempo, Lucian esperou antes de responder. Escolhendo a melhor forma de reagir perto dela.

- Eu pareço um assassino?

- Não sei, eles são iguais a todo mundo. Não tem como saber se alguém é um assassino só de olhar para a pessoa.

- Você está certa.

Lucian concluiu impaciente. A seguindo em pequenos passos, logo parou quando Lia virou-se para ele.

- Será que dá para ir embora? - Lia se esforçou para ser gentil dessa vez, mas não havia chance de uma frase ligeiramente educada sair de sua boca naquele momento.

- E deixar você ir sozinha o resto do caminho? Nem pensar.

Lucian era um cretino, não estava preocupado com a segurança dela. Queria apenas ter a liberdade de pensar que a acompanhou até sua casa. Sabia o que o esperava ali, a família dela. Implorando por alguém que proteja, conforte, que deixe sua vida mais fácil de ser vivida. Por agora, era isso que ele queria proporcionar a ela.

- Já estou perto de casa, obrigada.

- Eu já vim até aqui, porque não te acompanhar até a porta?

- Porque eu não quero. - sua face se fechou em uma expressão de repulsão. Articulada demais, pensou ele. De fato, não era isso que ela queria.

- Você parece não querer muita coisa quando se trata de mim, mas por algum motivo acaba sedendo.

- Pela sua insistência.

- Nesse caso, insisto em te acompanhar. - Lucian tomou a liberdade de ir na frente, já sabia onde ela morava.

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