Capítulo 19

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Após voltar da terapia, naquele mesmo dia, Lia recapitulou em sua mente algum momento em que podia ter levantado suspeitas. Conseguiu chorar no velório, pelo menos um pouco após chegarem com os restos das vítimas do incêndio, consolou alguns chorosos e por fim, fez a média que queria para Diego.

Na terapia, se suspreendeu ao chorar novamente, fazendo mais esforço do que no velório. Era fácil conviver com outras pessoas, seguindo regras básicas que havia imposto a si mesma.

Olhava para o chão enquanto caminhava, nascera e crescera naquela cidade e toda vida teve de fazer o mesmo trajeto até sua casa, conseguia se localizar sem esforço, sem olhar para frente.

Ao chegar em casa seus pais estavam jantando, como de costume ela não se juntou a eles. Andou cabisbaixa e triste até o caminho do seu quarto, tentando manter sua postura mais desleixada possível.

- Como foi seu dia, filha? - Charlotte perguntou de relance, concentrada na sua refeição. Era o tipo questionamento que Lia esperava, mas não respondeu com o mesmo desinteresse aturdido.

- Fui ao velório da minha amiga hoje.

- A mãe dela está arrasada, tadinha. Conversei com ela ontem. Teve uma reunião de condomínio.

- É sério? Porque? - desta vez o interesse de Lia se apresentou de forma meticulosa. A garota se aproximou da mesa de jantar, rastejando seu corpo cansado.

- Disseram que o incêndio foi intencional, agora estão tentando descobrir o culpado.

- Sério!? Quem faria uma coisa dessas? - Lia levou uma das mãos ao peito para afagar o choque. Logo em seguida a indignação tomou conta dela. - Que horror!

- Nem me fale, tinham famílias ali dentro, jovens e crianças com sonhos que só queriam jantar fora.

A senhora Paulsen comentou, sem parar sua refeição pelo assunto indelicado. William as encarava com curiosidade e irritação. Só queria jantar em paz sem ouvir falar do assunto que lhe rodeavam nos últimos três dias.

- Seja lá quem o desgraçado for não vai demorar para ser pego.

- É, tomara que o peguem logo. - comentou ele, enquanto cortava seu filé com uma impaciência cômica.

- Você não vai jantar?

- Estou sem fome. - Lia deu de ombro, indo para a saída do cômodo.

- Mas você só comeu uma fruta hoje de manhã.

- Eu comi na escola.

- Tudo bem então...

Exausta após o longo dia, a única coisa que Lia queria era tomar um banho quente e dormir.

Ao entrar em seu quarto percebeu uma queda na temperatura, notando a janela aberta e uma refeição completa na sacola de papelão. Mesmo sem querer vê-lo, Lucian ainda preparava as refeições dela toda noite. Ainda depois dela ter dito que nunca mais queria vê-lo em sua frente, ele ainda estava lá, sempre a lembrando de sua presença. Como de costume, Lia mastigava para sentir o sabor e logo cospia no guardanapo, sem engolir.

O fato de Lucian se preocupar com ela, como nunca havia se preocupado com ninguém antes não a deixava muito emotiva, de qualquer forma era tomada por curiosidade.

Porque seu desprezo era correspondido com tamanha benevolência? Por mais que fosse um dos gestos menos indiferentes que Lucian fazia a alguém. Isso a despertava sentimentos.

Se permitiu pensar sobre isso antes de dormir. Era no mínimo engraçado o fato dela sentir algo por ele, enquanto últimos dias tudo que Lucian fez foi ensiná-la, fotografa-la, esculpi-la e uma tentativa falha de homicídio contra ela, eventualmente ele também.

De qualquer forma a presença dele não era tão marcante quanto a de Diego, que nem se esforçava para alcançá-la. Se desconfiava de algum sentimento por Lucian, em Diego já era certeiro. Em um tempo menor ainda, conseguiu corrigir sua dependência em conversas maleáveis e eticamente normais.

...

Após o encontro com Lucian, Lia sentiu uma imensa dor na parte de trás da cabeça. Sabia que estava deitada em algum lugar pouco confortável e frio.

Ao abrir os olhos, não viu nada mais do que quando sua pálpebras cobriam suas pupilas. Era um tremendo breu.

A garota envolveu as mãos por volta das pernas para diminuir o frio, ainda sentada onde acordara. Sentia um cheiro forte de algo podre e ouvia algumas goteiras vindas do teto pouco alto. Se sentiu desconfortável, e se tivesse comido algo provavelmente teria vomitado.

Ela logo se colocou em alerta quando ouviu passos e uma porta rangendo, preparou a visão quando Lucian ascendeu as luzes.

Lia não sabia como havia chegado ali, só estava ciente das circunstâncias que rondavam os motivos da sua chegada, em um lugar assim ninguém entra por vontade própia, bom, pelo menos ninguém em sã conciência. Mas ela estava quase perfeitamente de acordo quando se perdeu ali. Um inferno na terra, um lugar que não precisa se procurar muito para encontrar sangue, restos de vida e um cenário genocida completamente apavorante. Nas garras de um ser humano sem humanidade, que não foi escolhido para punir gente inocente, ou bem perto disso. No corredor da morte de um Serial Killer.

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