Capítulo 14 - A vantagem de ser diferente

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Com o tempo, a raposa sentiu que não fazia mais sentido passear pelo que restou da floresta. Ela continuou sozinha. Passou a viver próxima aos homens, mas não no meio deles. Ela visitava lugares bonitos, campos e plantações. Todos os dias, assistia ao pôr do sol, tamanha era a sua tristeza e solidão.

Os homens criavam galinhas. Ela não passava fome. Mas tinha que lidar com a concorrência de outras raposas. Os homens, por sua vez, caçavam as raposas. Ela fugia de todos eles. Confesso que me senti privilegiado. Eu era o único homem de quem ela se aproximava sem medo. Ela também era a única raposa que não fugia de mim.

Um certo dia, ela se deparou com outra raposa.

— Bom dia. – disse a raposa.

— Bom dia. – ela respondeu.

— Você é uma raposa rara. Deve se sentir orgulhosa de si.

— Não gosto de ser assim.

— Realmente, ser uma raposa rara e bela não é bom quando se tem caçadores por perto. Com certeza, se tiverem que escolher entre mim e você, eu conseguirei escapar.

— O que você quer?

— Quero entender como pode uma raposa como você estar tão triste.

— Eu não quero conversar.

— Além de rara, é metida!

— Não sou rara nem metida. Só estou triste.

— Entendo. Você perdeu um amigo?

— Sim. Perdi vários amigos. Como você adivinhou?

— Eu já me senti muito triste quando me despedi de um amigo.

— Então, você também já perdeu um amigo especial?

— Ele me cativou. Mas não o considero perdido. Ele apenas voltou para a casa.

— Mas ele te deixou só.

— Ele teve um bom motivo. Além do mais, eu não me sinto só. Acalmo a saudade quando me lembro do tempo que passamos juntos. Eu admiro os campos de trigo e me sinto feliz. O barulho do vento no trigo me traz boas lembranças.

— Não entendo. Ele escolheu te deixar?

— Ele precisava partir.

— Como pode se sentir feliz sabendo que ele se foi por escolha própria?

— Como eu seria feliz se ele se sentisse obrigado a ficar? Ele não seria feliz ao meu lado e eu ficaria triste se o visse infeliz. Prefiro saber que ele está bem, mesmo longe, do que obrigá-lo a ficar para satisfazer um desejo tão egoísta meu. Além do mais, ele tinha bons motivos para partir.

A raposa refletiu um pouco sobre o que acabara de ouvir. Fazia sentido, mas não confortava seu coração.

— Eu tinha uma amiga, mas ela decidiu não ser mais minha amiga. Os outros amigos, eu abandonei.

— Porque ela decidiu não ser sua amiga?

— Porque eu menti para ela. Fingi ser uma raposa que não sou. Também traí a confiança da minha rainha enquanto tentava fazer da minha amiga princesa outra rainha. Depois, abandonei minha rainha e fugi. Também deixei um amigo para trás.

— Você já tem todas as respostas que precisa.

— Que respostas?

— Me fale da sua rainha.

— Ela me encontrou na praia. Se ofereceu para cuidar de mim. Eu tinha fugido de casa e não tinha o que comer.

— De todas as raposas do mundo, a rainha escolheu você.

— Ela disse que era por eu ser diferente.

— Não percebe? Você a cativou. Para ela, você é a única raposa no mundo. Ela deveria ser a sua única rainha. Você é responsável por ela. Deve voltar para sua rainha.

— Mas, e a princesa? Eu também a cativei. E ela me cativou.

— Ela te deixou livre para que você conseguisse fazer a coisa certa: voltar para a sua rainha. E mais, você não a cativou. Você fingiu ser uma raposa que não era, então, outra raposa a cativou. E essa raposa nunca existiu de verdade.

— Tem razão. Ela não me conheceu de verdade. Mesmo assim, eu me preocupo com ela.

— É natural. Mas não se preocupe demais, ela certamente ficará bem. O tempo é um bom amigo nessas horas.

— Assim espero.

— Preocupe-se com a sua rainha. Você é eternamente responsável por ela.

— E se ela não me quiser de volta?

— Então, respeite o direito dela. Isso também é responsabilidade sua. Assim como no caso da princesa e do meu pequeno amigo, sua rainha tem todo direito de decidir o rumo da vida dela.

E acrescentou:

Mas não a condene por isso. Você a cativou, a conhece bem. Lembre-se do tempo que passaram juntas e de todas as coisas boas que viveram. Então, você entenderá que não haverá espaço para outras rainhas. Olhe para ela com os olhos do coração, só assim você verá o que realmente importa.

A Raposa e a Princesa VermelhaOnde histórias criam vida. Descubra agora