É apenas a vida

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Era apenas uma carta.

Guardada em um envelope laranja, a única parte que eu tive coragem de ler foi o destinatário onde estava escrito, em uma letra de mão redonda e caprichada "De: Diretora Valéria; Para: Cesar Frederico Neto".

Aquelas eram as últimas palavras que a professora Val-Va havia deixado para mim. Ela escrevera na noite da sua morte o que me fazia sentir-se um pouco culpado com aquilo tudo. Mas porque eu ainda tinha medo? Era apenas uma maldita carta para a homenagem de formatura!

Passei uma semana inteira pensando sobre se deveria ler ou não o pedaço de papel. Uma semana bem conturbada como qualquer outra da minha vida. Muitos foram os motivos que me fizeram tomar a decisão de agora. Abrir essa carta era de extrema necessidade para mim, e eu não deixaria medo nenhum me impedir agora.

Mas para você entender um pouco mais disso tudo, terei que voltar uma semana atrás. No que eu gosto de chamar de "A pior segunda-feira da minha vida".

Velório, tristeza, enterro... tudo isso caiu sobre a minha cabeça de uma hora para outra. Eu não lembro o que eu comi, com que pessoas eu falei, como eu fui, como eu voltei. Nada parecia realidade. Perder uma pessoa tão especial é algo que eu não desejo a ninguém. Sentir na pele essa dor é pior ainda.

Eu não acreditava que ela tinha partido. Os médicos disseram que tinha sido um infarto, eu não acreditei. Meus amigos disseram que ela morreu na diretoria da escola, eu não acreditei. Rodrigo veio até a mim e me abraçou e disse que ela estaria num lugar melhor, eu também não acreditei.

E na manhã de segunda-feira eu acreditei. Quando eu entrei na escola na esperança de que era um dia normal de aula, na esperança de manter o mesmo sorriso e viver as minhas palhaçadas como eu fiz por três anos consecutivos atazanando a vida daquela mulher. Sentir a sua falta naquele ambiente me fez acreditar.

Sai no meio da aula e corri até a quadra. Passei pelo pequeno corredor e entrei na salinha e lá fiquei trancado. Chorei tudo o que eu não havia chorado o domingo inteiro.

Uma eternidade se passou até que bateram na porta da salinha.

- Achamos essa carta na sala da diretora! - meu professor de biologia entrou e ficou constrangido por me ver naquele estado - ela é dedicada a você, então... se precisar de algo, é só falar, ok?

E então ele deixou a carta em cima da mesa. E lá ela havia ficado por uma longa semana...

"É apenas uma carta", pensei. "São apenas palavras"...

É apenas a vida.

"Morto no mundo, você foi encurralado por um desejo natural

Você quer pular junto da multidão atordoada com a vida

Mas como vai aprender a dirigir se está destruindo todas as engrenagens?

Você tem falado por horas,

Você tem dito que o tempo vai enxaguar cada torre para o mar.

E agora você tem essa ansiedade no peito..."

...

- Cesar! - escutei meu nome sendo chamado - Preciso falar com você!

"Preciso falar com você", essas palavras eu ainda escutaria muitas vezes naquela semana.

Depois que Val-Val faleceu, eu dei uma afastada de todo mundo. Deixei a carta em cima da mesinha do nosso escritório e fui embora para casa. O restante da semana eu me ausentei da escola. Às vezes eu ia até o ponto de ônibus, mas com medo de encarar aquele lugar, eu ficava vagando pelo bairro. Outras vezes eu não conseguia nem levantar da cama direito. Parei de responder as mensagens de todo mundo. Bia e Felipe até tentaram ir em casa, mas minha madrasta destilou o seu "amor" em cima deles, dizendo que eu estava mal e não poderia receber visitas.

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