Chuva com cheiro de memórias

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Eu estava sentado em um ponto de ônibus qualquer.O relógio marcava um pouco mais de meia-noite. A pequena cobertura me protegia da forte chuva que caía do céu, mas não solucionava o problema do vento. Segurei bem forte aquela maldita pedra que estava na minha mão, uma pedra qualquer meio esbranquiçada, daquelas que parecem mármore, sabe?

Joguei a pedra do outro lado da rua. E me arrependi no mesmo segundo.

Corri em direção a chuva para recupera-la. Senti as gotas d'água estralando em todas as partes do meu corpo. Atravessei a rua, agachei perto da sarjeta e recuperei meu objeto tão precioso. Voltei para a pequena cobertura do ponto de ônibus parecendo um pintinho molhado.

Raiva, ódio, tristeza. Minhas lágrimas começaram a se misturar com a água da chuva.

- Você está bem? - um garoto surgiu do meio do nada com um guarda-chuva preto - não está com frio?

Tentei fingir que estava tudo bem. Fingir que eu era um garoto normal que acabava de sair na rua e foi ali tomar um banho de chuva. Fingir que chorar embaixo de um ponto de ônibus ensopado da cabeça aos pés era divertido entre os jovens de hoje em dia. Fingir era uma das minhas maiores habilidades.

Mas dessa vez eu não consegui fingir.

- Eu estou ótimo! - respondi com a boca tremendo de frio.

- Tem certeza? - ele insistiu - eu tenho um casaco a mais aqui na bolsa e...

- Não! - falei secamente - estou ótimo, meu ônibus chega daqui a pouco.

A verdade é que eu nem sabia que ônibus pegar. O garoto me olhou novamente da cabeça aos pés.

- É, amigo... - ele disse com receio - não passa ônibus por aqui depois desse horário.

- Ótimo! - resmunguei - ótimo!

Contorci o meu punho de raiva. Porque a vida tinha que ser tão cuzona comigo? O que eu tinha feito para merecer tanta merda assim?

- Bem... - o menino voltou a falar - aonde você mora?

- Vila Maria... - respondi tentando lembrar - ou Madalena...

- Vila Mariana! - o menino me corrigiu - também sou de lá. O próximo ônibus só vai passar seis da manhã. Pelo jeito passaremos um bom tempo juntos.

Ele, assim como eu, não parecia estar nem um pouco animado com esse fato:

- Não temos outra opção né? Fazer o que? - sorri meio desanimado.

- Esperar - o menino respondeu - e torcer para as coisas não piorarem mais do que já estão pioradas.

- Faz muito tempo que você está na chuva? - perguntei para tentar puxar assunto com o menino.

- Parece uma eternidade... - ele falou melancólico.

Silêncio. O menino ao meu lado parecia realmente muito abalado. Se não fosse por minha situação péssima e todos os meus problemas eu até teria um pouco de compaixão pelo garoto. Ele parecia bem depressivo, mas não sei porque, eu conseguia encontrar uma pontinha de alegria em seu olhar. Ele ainda tentava pensar em algo positivo mesmo com toda a situação.

- Você tem um nome? - ele perguntou, meio desinteressado na resposta.

Eu estava prestes a responder, mas um raio cortou o céu e chicoteou em árvore na calçada do lado.

O barulho me fez pular do banco de metal e tremendo de medo eu escorreguei caindo de bunda no chão.

- Você está bem? - O menino tornou a perguntar. E dessa vez eu não iria mentir.

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