Capítulo 1- Minha vida é uma telenovela

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Enquanto contempla o seu antigo quarto, o Carlos Eduardo nota surpreso cada detalhe que tinha permanecido ao longo de cinco anos. A infinidade de pôsteres com super heróis da Marvel e DC competem entre si ao longo das paredes azuis escuras.

A cama de solteiro porta um conjunto de lençol e fronhas personalizadas com um dos filmes de Star Wars, era o seu preferido. Logo, a nostalgia toma conta dele. Ele tenta imaginar se as coisas fossem diferentes. 

Se não tivesse ido naquela festa, se a ruiva deslumbrante não tivesse ido. Mas se culpa por todos os pensamentos. Os seus trigêmeos são a maior felicidade de sua vida. Não poderia e não deveria imaginar uma vida diferente, mesmo depois de tudo. Mesmo que o rumo mais inesperado tivesse dado carona para sua vida e o fez chegar nesse destino desastroso.

Em um instante era um feliz e satisfeito marido e pai com uma família perfeita. Tinha um trabalho impecável em um restaurante muito conceituado no centro da cidade de Ribeirão Preto com um bom salário e  " bom " chefe.

Porém em seu retorno para casa em um horário mais cedo que o habitual, ele se deparou com a cena  tórrida  que nem se podia descrever. A sua amada esposa em sua confortável cama e o seu "bom" chefe na mesma frase? Esse é um daqueles momentos em que sua mente paralisa e o choque toma parte do seu corpo. Uma típica cena de uma telenovela mexicana. Naquele instante o Carlos Eduardo virou um astro de uma novela da sua própria vida.

- Papai, olha só uma noiva no meio da rua.  

O menino ruivo de pele clara com sardas espalhadas em seu rosto observa a janela do quarto no segundo andar da casa. Isso tira o Carlos do seu transe emocional e o faz caminhar até a janela também. Porém, não vê nada e nem ninguém na casa da frente. Parece vazia até.  Qual seria a probabilidade de uma noiva estar no meio da rua uma hora dessas? Então pensa que seu filho pode ter imaginado, aliás as crianças tem uma imaginação fértil.

- Acho que você está assistindo muita televisão, meu filho. - sorri e bagunça o cabelo do menino - Vamos descer para tomarmos o café da manhã.  Se não a vovó vai subir gritando em espanhol.

Em seguida, ambos descem os longos degraus de madeira da escada e se sentam nas cadeiras próximas rente a mesa de vidro. Todos os seis assentos estão completos. Ele nota seus irmãos casal de gêmeos com também seus traços latinos mexicanos repetindo o mesmo ato de mexer no celular. Já seu pai um homem careca com um grosso bigode preto, e pele mais escura se encontra sorrindo para as suas filhas Safira e Pérola ambas ruivas, brancas como a neve e com as mesmas sardas do irmão Edmundo.

 Quando seus trigêmeos eram bebês se tornava quase impossível identificar. Nos dias atuais as meninas tinham começado a ter personalidade própria. Pois a Safira pediu para cortar os cabelos vermelhos claros na altura do seu ombro, já a Pérola optou por deixar longo.

- Preparé un desayuno increíble para mi familia. - a senhora Paulina caminha até a mesa e começa a encher das mais variadas comidas típicas de um café da manhã tradicional.

- Esse espanhol é tão cansativo, meu amor. Um dia desses vou te mandar de volta para o México.  - o cara de bigode se mostra entediado pelo discurso da esposa em outro idioma.

O filho mais velho nem se surpreende com a fala do pai, desde antes de sua saída de casa ambos tinham suas intrigas pessoais referentes a origem de sua mãe e seu vocabulário em espanhol. Ela apenas o ignora como sempre.

- Dejad los móviles, mis hijos. - a mais velha chama a atenção do casal de jovem gêmeos. Na hora ambos se desligam dos aparelhos. - Estoy muy feliz de que mi familia esté toda junta.

Carlos Eduardo toma uma golada do café. O fato de sua mãe anunciar estar feliz em meio a sua desgraça pessoal o deixa incomodado. Mas ele também se pergunta se não estaria sendo  insensível com a fala da sua mãe. Admite que desapareceu  da sua casa por muito tempo. Pois a mãe de seus filhos não suportava a sogra e o recíproco era válido.  Então, na época o afastamento foi a melhor solução. Mas não tinha sido a melhor opção.

- Yo sabía. Esa pelirroja no prestó. Lo siento, niños. - a senhora  Paulina acaricia os ombros da Safira e Pérola em um pedido de desculpa.

- Mamãe! Por favor, respeite as crianças.  - diz Carlos Eduardo se agitando do seu local na mesa.

- Não entendi nada que a vovó disse, papai. - diz o menino Edmundo.

- Ela disse que sabia que a ruiva não emprestava e lamentou por vocês. - diz Alejandra, a irmã mais nova do Carlos Eduardo e retorna sua atenção ao celular.

- Alejandra Martinez Rodrigues não se atreva a se meter na conversa de adultos. - o anfritião da casa, Carlos Alberto se manifesta contra a filha mais nova.

- Ela não mentiu, pai. - completa o Juan, o outro gêmeo. Também com sua atenção no celular.

- ¡Basta, hijos míos! Ahora suban a sus habitaciones.

- Pero mamá no lo hacemos... - diz Alejandra

- Não ouviram sua mãe? Subam nesse exato momento.

O casal de gêmeos com traços mexicanos se retiram da sala de jantar a contragosto e  as suas fisionomias idênticas expressam a tamanha insatisfação pela situação.

- Essas crianças " grandes " se acham. Não querem respeitar ninguém. Mas a culpa é sua Paulina. - o senhor de meia de idade se irrita do seu lugar e encara a esposa.

- Mi culpa? - questiona a senhora.

- Sim, com certeza. Você fez uma insinuação a respeito da mãe dos trigêmeos. Já é tudo muito difícil para as crianças e para o nosso filho. E esses adolescentes não precisavam se meter em nossa conversa e traduzir para as crianças.

- Está tudo bem, pai. Não precisam discutir por nossa causa. - diz Carlos Eduardo na intenção de apaziguar a situação.

- No tengo ninguna culpa. Estos adolescentes tienen una personalidad similar a la tuya. - vocifera Paulina em seu idioma materno.

Os trigêmeos e o Carlos Eduardo observam de seus lugares sem nenhuma reação a discussão do casal. Ele se senti culpado por toda a situação e se retira em silêncio com as crianças enquanto os seus pais continuam a briga. Ambos estão  absortos  na conversa que nem notam a sua saída.

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