Capítulo 15- Contra o tempo

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Carlos Eduardo ainda pensa na noite anterior enquanto trabalha em um dos seus serviços informais na vizinhança. Nem se lembrava da última vez que vivênciou tantas emoções. Na verdade tinha uma coisa que envolvia uma ruiva, mas já conhecemos essa história. Ele faz o seu pensamento voltar para o dia atual e em sua mente faz uma anotação mental.

Primeiro tinha sido a ideia inusitada de um jantar de noivado. Ele se sentia mal por não ter contato todos os detalhes para sua cúmplice, mas realmente tinha sido uma ideia de última hora. Além da reação surpresa da Alicia tornar tudo mais sincero.

Segundo a sua declaração romântica foi a parte mais fácil da noite. Ele só disse tudo que já sentia há muito tempo.

Terceiro o beijo foi a parte mais difícil. Ele fez um esforço surreal para não beijá-la da forma que desejava.

Quarto a despedida desajeitada entre os dois. Ele queria dizer muitas coisas, mas sabia que não poderia. Então só escolheu as palavras certas.

Carlos Eduardo se sente péssimo por nutrir tantos sentimentos pela Alicia que será sua noiva de mentirinha. Sabe que deve aprender a se controlar e esconder qualquer coisa que possa revelar seu segredo. Sabe também que não será tranquilo viver com a mulher que causa borboletas dentro dele. É engraçado pensar nesse termo tão juvenil, pois remete ao primeiro amor. Mas ele nunca tinha sentido isso com sua antiga esposa.

Carlos Eduardo volta sua atenção para o conserto de uma pia de cozinha com um vazamento insistente. Ele nota o cano sanfonado que é antigo e desgastado. Talvez nunca tivesse sido trocado. Anotou em um papel para uma lista. A dona da casa tinha se referido também a descarga do banheiro que não estava funcionando. Ele observa que soltou a engrenagem que liga o fio exposto com o interior do objeto. Só precisou encaixar ambos. E problema resolvido. O cano da lista o fez ir ao centro da cidade em uma dessas lojas de materiais de construções.

O estabelecimento era minúsculo e abafado com um cheiro estranho. Uma fila com quatro pessoas se estendia quase até a saída. Reparou que só tinha um atendente adolescente que parecia ser o primeiro trabalho. O menino não sabia informar as coisas para os clientes e julgou ser tímido pelo tom de voz baixo. Ele se compadeu do pobre funcionário. Sabia que lidar com o público não era fácil. Enquanto aguardava a sua vez de ser atendido, a música familiar Here Comes The Sun dos Beatles ecoa do seu bolso. É uma chamada de um número desconhecido no seu celular. Curioso caminha até a saída da loja e atende a ligação.

- Olá, bom dia. Esse telefone é do Carlos Eduardo? - pergunta uma voz masculina

- Olá, bom dia. É sim do Carlos Eduardo. Como posso ajudar?

- Você foi selecionado para uma entrevista no Valle Restaurante através da sua inscrição no LinkedIn. Gostaria de saber se ainda teria interesse na vaga.

O seu mundo silencia. Tinha ouvido certo mesmo? Depois de várias tentativas frustradas tinha surgido uma oportunidade. Seu corpo é tomado por uma injeção de ânimo. É a chance de sua vida, pensa. Não pode perder por nada.

- Alô? Ainda está na linha, senhor? - a voz do outro lado chama.

- Estou sim, me desculpa. Eu gostaria muito de participar dessa entrevista. Só me passa o endereço, a data e o horário.

O cara da outra linha informa o local que vai ser no próprio restaurante que se encontra em uma cidade vizinha que é maior e populosa chamada Guarulhos. Ele já conhecia o lugar. Então seria fácil encontrar o estabelecimento que é localizado ao centro.

- A data e o horário, por favor. - pede no viva voz enquanto anota as informações no próprio celular.

- Será hoje mesmo ás 13: 00. Espero que não seja um problema, mas seu número era o último da minha lista e só consegui entrar em contato agora.

- Não, tudo ótimo. Estarei no horário combinado, obrigado.

O terror toma conta do Carlos, pois só restam duas horas para a entrevista. Ele volta para dentro da loja e ver que surgiu mais um atendente para seu alívio. Pede o cano e caminha até o ponto de ônibus.

Os mais possíveis lugares passam nos letreiros dos ônibus com a exceção do seu bairro. Ele fica inquieto consultando o relógio de pulso como se pudesse acelerar as coisas. Além de sentar e se levantar do banco do ponto para observar cada ônibus que surge. Meia hora depois aparece o seu ônibus. Mais uma vez uma fila, só que dessa vez para entrar na condução. Dentro do mesmo só tem como ir em pé. Mas ele nem se importa, pois só precisa chegar na casa da cliente e finalizar o serviço. Para completar o seu azar o motorista era uma lesma no corpo de um homem e o percurso que costuma ser de 20 minutos demorou quase 40 minutos.

Quando chega na casa da senhora idosa, o Carlos Eduardo se direciona até a pia de louça e agiliza a retirada do cano antigo. Em questões de segundos troca pelo novo. A cliente agradece o serviço e o paga de imediato. Mas parece querer iniciar uma conversa sobre um dos seus falecidos maridos. De forma educada a interrompe e explica a sua pressa para uma entrevista de emprego. Mas promete ouvir da próxima vez. A senhora assenti frustrada, mas compreensiva.

A casa dos seus pais se encontra três ruas mais a frente. Ele caminha de forma apressada até o portão familiar. Ao entrar no quintal nota a ausência do carro do seu pai. Isso o deixa preocupado em relação a condução. Ele se desloca até o andar de sua cima, o seu quarto. Enquanto abre o guarda roupa nota a falta de muitas roupas, aliás sexta é o dia de lavar roupa em sua casa. Não encontra uma única camisa social para seu compromisso. Ele se recorda de uma peça específica. Alicia e o quase acidente com o trem vem em sua mente. Ela não tinha entregado ainda. O sorriso aparece em seu rosto.

O chuveiro derrama uma água fria e desconfortável em seu corpo. Não era possível que tinha faltado energia naquele momento pensa. O nosso protagonista se veste no quarto com a exceção da camisa. Opta por uma calça social em um tom escuro e penteia o cabelo para trás com um pouco de gel. Em seguida separa todos os seus documentos em uma pasta e se direciona até a casa vizinha.

- Olá, Carlos Eduardo. Como posso ajudar? - diz ela com um olhar curioso pela ausência da roupa de cima.

Alicia veste um vestido lilás claro simples com mangas curtas e comprimento até o joelho. O cabelo se envolve em um rabo de cavalo frouxo e dois fios modelam o seu rosto angelical. Ele não se cansava de apreciar a sua beleza. Até mesmo nos pequenos detalhes.

- Sinto te incomodar assim de supetão. Mas preciso urgente da camisa do dia do trem. Você ainda tem, certo?

- Sim, claro.

- Ótimo, tenho uma entrevista de trabalho em menos de uma hora para Garulhos e preciso...

- Acho que posso ajudar mais ainda.- ela o interrompe. - Posso te oferecer uma carona até Garulhos, pois conheço como meu lar.

- Sério? Você é uma mulher extraordinária. - diz sem pensar. E se arrepende pelo rubor que surge na pele clara da moça.

- Vamos entrar? - ela abre espaço para sua entrada.

O jovem casal caminha para dentro da casa. Ele a segue pela sala, depois cozinha e até um grande quarto amarelo com uma decoração simples. Composto por uma cama de casal, guarda roupa de madeira espelhado, um criado mudo e uma escrivaninha com tablet e notebook. Além de livros na parte de baixo. Ele se encosta na porta e a observa. Ela retira um cabide com uma peça masculina que o pertence.

Ele sorri aliviado e encosta na mão dela por acidente. Ela o encara no mesmo instante e retira sua mão. Isso o desperta a vestir a camisa bem na frente dela. Ela só o observa se vestir sem graça com o gesto. Ele se repreende na mesma hora por produzir momentos constrangedores em tão pouco tempo.

Alicia o faz seguir mais uma vez só que para o lado de fora da casa. Ele repara no Honda Civic Sedan 2020 prateado próximo a saída da garagem. É um belo de um carro. Não sabe se surpreende pelo fato dela dirigir ou ter um carro daqueles. Se questiona em relação ao seu nível de conhecimento a respeito da sua " noiva ". Logo, admite que sabe pouco. Ela dá vida ao carro e o chama para entrar. Ambos partem em rumo a um destino em comum.

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