O Casamento

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Eu precisava das minhas pastilhas. Minha garganta já começava a corroer e o selo em meu pescoço estava rubro e parecia pulsar. A sede era imensa, parecia que eu passara meses sem uma gota d'água. A essa altura, já me contorcia no chão, segurando o impulso de correr até o saguão do hotel e drenar o sangue daquele funcionário que se machucara. Eu estava fora de mim, não agüentava mais. Num instante, meus olhos que oscilavam entre seu tom ametista natural e o escarlate, já estavam totalmente tomados por uma cor apenas. Sangue. Levantei-me num salto e olhei para a porta. Era agora. Eu ia atrás do funcionário ou de qualquer outro que aparecesse no caminho. Não poderia mais esperar ou eu morreria. Não estava raciocinando direito. O que a sede era capaz de fazer comigo? Antes que eu pudesse chegar até a porta, Ruka previu o que eu faria e foi mais rápida, pondo-se no caminho frente à porta.

– Kiryuu-kun, não pode fazer isso! – disse ela com o cenho franzido – Não pode sair nessa situação. Tem que se recompor, não pode chamar atenção aqui. Sabe disso.

– Eu preciso! – respondi com a boca seca – Tenho sede. Saia da frente ou a farei sair à força.

– Não posso fazer isso! Você não pode simplesmente sair atacando os humanos quando está desesperado! – como é que é? Ela tinha razão. Era eu que deveria estar falando isso. Eu não sou assim, não ataco humanos. Sou um caçador, não um vampiro sanguinário. O que estou fazendo? – Por favor, Kiryuu-kun, recomponha-se.

Não respondi, apenas ajoelhei, sentindo uma dor muito forte no estômago. O selo crescia a cada segundo e parecia que iria rasgar minha pele. Eu sentia que perderia a consciência a qualquer minuto se isso continuasse. Foi então que senti mãos delicadas segurarem com firmeza o meu rosto. Ela me forçou a encará-la e tinha um olhar determinado. Ajoelhou-se diante a mim e fez com que eu me recostasse com a cabeça em seu ombro. Pude ouvir sua artéria pulsar no pescoço e ouvir sua respiração lenta, apesar do que estava acontecendo.

– Não tem jeito, Kiryuu-kun. Por favor, alimente-se. – fiquei surpreso ao ouvir aquilo. Senti seu corpo enrijecer e seu coração apressar os batimentos. Eu sabia exatamente o que fazer. Eu precisava. Sem pensar duas vezes, cravei minhas presas no pescoço de Ruka, deixando escorrer apenas um filete de sangue, que sujou sua blusa. Pude ver que ela abafou um gemido de dor pelo jeito bruto com que a mordi.

O sangue de Ruka era quente e doce. Não lembrava em nada o sangue determinado de Yuuki. Aquele sangue carregava sentimentos que eu não consegui traduzir, mas em meio a eles pude perceber alguns que eu conhecia muito bem. Era cheio de solidão, tristeza e culpa. Os sentimentos que ela carregava sozinha, como um fardo, agora estava sendo compartilhado comigo, não por prazer, mas por necessidade. Pude sentir seu sangue se misturando ao meu e milhões de coisas passaram pela minha cabeça. Eu vi os olhos frios de Kaname rejeitando-a, vi mãos sujas de sangue e vi fotos borradas por lágrimas deprimidas. Por um instante percebi que ela parecia comigo em algumas coisas e não era superficial como eu pensara. Fazendo desabar o meu conceito sobre vampiros, em geral, pude ver que ela era totalmente o contrário de um assassino, ela só queria seu espaço no mundo, queria viver em paz, ter seu amor e ser, nem que fosse um pouco, feliz. Ela era gentil e caridosa, apesar da aparência arrogante de modelo. Isso me surpreendeu e fez com que eu baixasse um pouco minha guarda com ela. Agora eu, que a poucos minutos não sabia nada sobre ela, a conhecia totalmente.

Quando me senti satisfeito, apenas para aplacar a sede, separei-me dela, limpando a boca com a manga da camisa e de cabeça baixa. Meus olhos fitavam o chão de madeira envelhecida. Não sabia o que dizer nem o que expressar, então resolvi apenas agradecer por ter me salvo de um mal maior.

– Obrigada, Souen-senpai – disse ainda olhando para o chão – Não sei como agradecer. Isso me salvou mesmo.

– Ruka, já disse – ergui os olhos. Ela olhava para mim com um semblante sereno e esboçou um sorriso no canto da boca – Me chame de Ruka – ela levou um lenço ao pescoço, limpando o sangue que ainda escorria – Agora você me conhece por inteira, temos intimidade para você me chamar pelo meu nome sem constrangimentos – ela brincou. Não pude evitar, eu ri.

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