Hoje é o último dia que passo fechada dentro destas quatro paredes. Hoje é o último dia em que durmo nesta cama, o último dia em que nela acordo e nela choro por liberdade.
Ansiei uma eternidade por este dia, o dia em que finalmente terei alta e ficarei livre destas máquinas irritantes, que reproduzem a cada minuto sons tão enervantes quanto o arrepiante som produzido pelo giz ao raspar com intensidade num quadro de xisto.
O tempo tem sido difícil de passar aqui dentro. Além de passar muito vagarosamente, é entediante estar aqui sem fazer nada.
Ficar fechada dentro de um quarto um dia inteiro, restringida de fazer seja o que for por mera prevenção, requer imensa paciência, coisa que a mim falta e não é pouco.
Tenho passado os últimos dias engolida no sufoco da escuridão deste quarto, afogada em memórias marcantes vividas em tempos, que só de pensar me fazem estremecer. Felizmente, e para minha salvação, esses dias horríficos em que choro a torto e a direito por recordar essas memórias horrendas acabaram. Dentro de pouco tempo terei alta, e depois disso nada voltará a ser igual. Viajarei para Londres, afastar-me-ei destas más companhias que tanto teimam em seguir-me para todo o lado, e pedirei auxílio para delas me tentar livrar.
Já era quase meio-dia quando a porta do meu quarto é aberta, interrompendo as más memórias que tanto teimavam em reaparecer na minha mente.
"Bom dia menina Beatrice." cumprimentou-me o médico, assim que entrou no quarto.
"Bom dia doutor." cumprimentei-o de volta.
"Tenho boas notícias para si." ele disse, estendendo-me umas folhas que tinha na mão.
Peguei nas folhas e comecei a lê-las. Como é óbvio, não consegui evitar sorrir quando me apercebi que se tratavam dos papéis da minha alta. Olhei de novo para o médico e sorri-lhe, agradecendo-lhe em seguida com um grande e redondo "Obrigado!".
O médico lá se sentou a meu lado e me explicou algumas coisas básicas com as quais deveria ter cuidado, recomendando-me ainda que não fizesse esforços nos próximos tempos, para não rebentar os pontos.
Eu lá lhe agradeci por tudo o que ele tinha feito por mim enquanto aqui tinha estado internada, e depois disso ele retirou-me as agulhas e o tubo do soro, retirando-se em seguida da divisão, para me dar a merecida privacidade a que eu tinha direito enquanto me vestia.
Na tarde passada, quando me veio visitar, a Rowan deixou cá uma pequena mala com as coisas necessárias para hoje. Abri-a e fiquei admirada com toda a porcaria que tinha lá dentro. A roupa era toda à betinha, e eu nunca na vida vestiria algo assim. Peguei numa tesoura que estava lá no quarto e cortei as pernas das calças de bainha larga, transformando-as nuns calções meio improvisados. Em seguida arranquei as mangas à camisa branca e vesti-me. A roupa agora estava muito mais o meu estilo, algo simples que nem me fazia parecer beta nem me fazia parecer rebelde, algo comum e pouco estiloso.
Arrumei o que tinha sobrado de novo dentro da mala e pu-la ás costas, saindo do quarto de hospital em seguida.
Assim que saí, deparei-me imediatamente com umas quantas pessoas que já me eram bem familiares. Era Rowan, Erin e a tia Nora. Fui ter com elas e cumprimentei-as:
"Bom dia."
"Bom dia Beatrice." disse a minha tia de volta, sorrindo-me de forma carinhosa.
Erin abriu a boca, mas assim que ia começar a falar, Rowan interrompe-a começando a gritar comigo:
"Mas que merda é que tu fizeste a essa roupa?" ela gritou, guinchando em seguida como sinal de frustração extrema.
"O que foi? Não gostas?" perguntei sinicamente, fazendo Erin rir comigo.
"Tu tens noção do dinheirão que essa roupa custou?" ela reclamou, com os olhos tão arregalados a olhar para a roupa que dava a sensação que estes lhe iam saltar da cara a qualquer momento.
"Não, ainda não me disseste." respondi indiferente.
Rowan grunhiu de novo em sinal de frustração, e todas nos rimos da sua figura, até mesmo a minha tia.
"Rowan, não fiques chateada querida. A roupa até fica melhor assim!" a minha tia disse.
"Bem? A tia chama áquilo bem? Quem me vir com aquilo vai pensar o quê? Parece que fui comprar aquelas roupas a uma casa em segunda mão!" ela reclamou.
"A sério? Olha que muitas raparigas lá em Londres usam roupa assim!" a minha tia disse.
A expressão de Rowan pareceu suavizar ligeiramente.
"Se por acaso me estiver a mentir, eu juro que tanto a tia como a Beatrice vão ter de me comprar um novo conjunto de roupa, e olha que eu vou querer o conjunto mais caro que vir na loja." ela concluiu.
"Ok, nou problemou." eu disse, fazendo algum sotaque nas palavras e acentuando-as um pouco.
Continuamos a falar por mais algum tempo, enquanto percorríamos os corredores do hospital. Quando chegamos ao exterior do edifício, olhei de um lado para o outro e questionei:
"Para ondei vamos agora?"
"Para casa." Rowan respondeu. "Só nos falta arrumarmos as tuas coisas para podermos ir embora."
"Hoooo..." murmurei, prolongando a palavra por algum tempo. "Com tanta coisa que tenho tido na minha cabeça, tinha-me esquecido completamente que embarcávamos amanhã para Londres." disse, deixando o meu olhar cair para o chão e meu sorriso desvanecer num ápice.
"Não fiques assim querida." consolou-me a minha tia. "Vais ver que vais adorar Londres."
"Isso nunca irá acontecer tia." discordei. "Londres não é a minha casa. A minha casa é aqui, em Dublin." disse friamente.
"Beatrice!" reclamou a minha prima. "Não sejas mal-educada." revirei-lhe os olhos de propósito para a irritar, e vi-a ficar imediatamente arreliada com a minha atitude malina, quase deitando fumo pelas orelhas. De seguida virei a minha atenção novamente para a minha tia e continuei.
"Desculpe tia." pedi. "Saiu-me sem querer."
"Não faz mal minha querida. Agora vamos andando que se faz tarde."
E com isto, voltamos a dirigir o nosso olhar até ao passeio à nossa frente e continuamos o caminho a penantes até minha casa, casa essa que partilho com Rowan.
Passamos a tarde e noite inteiras a arrumar as minhas coisas, e já eram quase dez da noite quando acabamos de empacotar as últimas caixas. Acabamos por jantar também lá em casa, mas como estamos mesmo em véspera de viagem, acabamos por encomendar apenas umas pizzas para o jantar, que comemos enquanto víamos o filme The Last song na televisão.
A muito custo, lá acabei por me despedi de Erin, prometendo voltar em breve e contactá-la todos os dias.
Como já era de esperar, na hora da despedida choramos baba e ranho agarradas uma à outra, mas acho que é normal. Afinal de contas, eu e a Erin conhecemo-nos desde sempre, e separarmo-nos ao fim de tanto tempo é muito difícil.
A Erin sempre foi o meu apoio, a minha âncora. Foi com a sua ajuda que ultrapassei diariamente as piadas de mau gosto e o bulling na escola, e foi ao seu lado que passei os piores momentos da minha vida.
A Erin é e será sempre a minha melhor amiga.
Depois de nos despedirmos, fui para o meu quarto e deitei-me, onde acabei por adormecer não muito tempo depois.
Amanhã tenho um dia muito longo pela frente, e sinceramente, espero mesmo que corra tudo bem.
Nota da autora:
Olá olá pessoal!
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Never say never...
RandomÀs vezes, as escolhas erradas levam-nos por caminhos errados, e Beatrice não foi exceção. A sua vida é um verdadeiro jogo sem saída, onde as mentiras são a principal realidade e a verdade é estritamente proibida. [Atenção: Antes de começarem a ler q...