A minha vista estava pesada. Os meus olhos pareciam não querer abrir e sentia os músculos do meu corpo doridos dos pés à cabeça. Porquê? Sinceramente não sei.
Quando os meus olhos se abrem finalmente, deparo-me imediatamente com uma extensa moldura de camas de hospital. Vários pacientes encontravam-se igualmente deitados num silêncio desconfortável, o que me deixava um pouco incomodada.
Desvio o meu olhar até aos meus dedos e começo a brincar com eles, tentando arranjar algo para me entreter, até que oiço uma pequena voz fina e fraca perguntar-me:
"Como te chamas?"
Desvio o meu olhar dos meus dedos de imediato e olho para a pequena rapariga que me fizera a pergunta. Ela era ainda muito jovem, deveria ter uns seis ou sete anos. Tinha uns longos cabelos loiros que quase lhe chegavam à cintura, e estava tão magrinha quanto um palito. As suas faces pálidas faziam um contraste lindo com os seus esguios lábios encarnados, e os seus olhos eram de um azul profundo e intenso sublime, tão azuis e reluzentes quanto safiras.
"Chamo-me Beatrice." repondo após algum tempo. "E tu pequena? Como te chamas?"
"Chamo-me Kira." Ela responde docemente.
"Então Kira, o que fazes aqui?" pergunto, para meter conversa.
"Eu fui operada ao apêndice e agora estou aqui em observação. E tu?"
"Para dizer a verdade não sei. Adormeci no quarto de hospital rodeada de enfermeiras e médicos, e quando acordei estava aqui!" confessei.
"Hooooo..."ela disse, prolongando a palavra por algum tempo.
"Quantos anos tens pequena?"
"Tenho 6. E tu pessoa grande?"
"Pessoa grande?" perguntei, contorcendo o nariz e fazendo uma pequena careta. Ela soltou uma leve risada e em seguida continuou.
"Sim, pessoa grande. Se eu sou pequena tu és grande!" não pude conter a minha admiração pela sua observação, acabando por soltar em seguida uma leve gargalhada.
"Tens razão Kira." concordei. "Eu tenho 17 anos."
"17? Fogo, tu és mesmo velha." ela disse, fazendo uma careta e falando de uma forma muito engraçada.
Acabamos por ficar a falar por mais algum tempo. Ela contou-me que vivia com o pai, e que tal como eu, a sua mãe já tivera falecido. Contou-me também algumas coisas sobre a sua escola e sobre a sua família, e ainda falamos um pouco sobre mim. Eu falei-lhe da minha prima e da Erin, e falei-lhe também da tia Nora e do tio Dennis, o seu marido, com quem vou viver para Londres dentro de não muito tempo. Além disso ainda lhe contei algumas coisas de que me recordava sobre a minha mãe. Perdi-a quando era ainda muito nova, mas no entanto, para mim, ela continua aqui comigo.
Estávamos nós a iniciar uma conversa sobre comida, quando entra de rompante na divisão uma enfermeira.
"Bom dia meninas!" cumprimentou-nos a senhora, dirigindo-se até uma bancada e colocando nos braços um saco de soro.
"Bom dia!" cumprimentámos as duas em unisom.
"Como estão? Sentem-se bem?"
"Sim, mas tenho muita fome." queixou-se Kira. A enfermeira olhou-a de esguelha e sorriu-lhe, e logo em seguida dirigiu a sua atenção para mim e continuou.
"E a menina Beatrice? Sente-se bem?"
"Sim, também me sinto bem." respondi. "Mas sinto um pequeno ardor no peito."
"É normal. A menina foi operada de urgência ainda ontem, e com certeza os pontos ainda estão a cicatrizar." olhei-a de surpresa, e assim que ela se apercebeu do sucedido, continuou. "Daqui a pouco o doutor virá falar consigo para lhe explicar melhor a situação. Até lá descanse um pouco." ela aconselhou, retirando-se da divisão em seguida.
Eu e a Kira acabamos por continuar a falar para acabarmos com aquele silêncio desconfortável que se mantinha naquela sala, e só paramos a conversa quando o médico chegou para nos examinar a nós e ao nosso quadro clínico.
Apesar da tenra idade que aparentemente Kira apresenta, pode-se dizer que ela é uma rapariga muito madura para a idade que tem. Fala de assuntos que as raparigas da sua idade não se costumam interessar, e fá-lo com gosto, não apenas porque tem de ser. Além do mais, a forma como ela fala de determinados assuntos mostram uma maturidade incrível. Acho que me revejo um pouco nela. Ambas crescemos sem mãe e acabamos por amadurecer mais cedo por isso, e os nossos pais até são bem parecidos, apesar do meu ser um canalha atrás das grades e o dela ser apenas um canalha à solta.
Após pouco mais de uma hora, fui levada para um quarto individual de hospital, tal e qual como Kira. Não sei se a voltarei a ver, mas nunca me vou esquecer daquela rapariga querida com uma linda cara laroca que tanto se parece comigo.
Passadas quase duas horas de estar enfiada naquele quarto enfadonho, ouvi alguém bater à porta. A princípio tive algum receio de dizer para que entrassem, tendo em conta o que aconteceu da última vez, mas lá acabei por dar ordem de entrada.
Assim que a porta se abriu o meu coração parou. Ela estava tão diferente. Já não a via há imenso tempo. Depois da morte da minha mãe e da minha outra tia, ela basicamente cortou relações comigo e com a Rowan. Deixou de nos vir visitar tão regularmente aqui à Irlanda, e até há bem pouco tempo atrás, nem sequer falava connosco. Parece que foi preciso atirar-me de um prédio abaixo para que ela repara-se que eu existo...
"Tia Nora." suspirei.
"Ho minha pequena Bea." ela murmurou, correndo para mim e abraçando-me com força. Notava-se no seu abraço arrependimento e culpa pelos atos cometidos.
Quando o abraço terminou, olhei-a nos olhos e sorri.
"Desculpa-me Bea. Eu nunca me devia ter afastado de vocês, nunca." ela murmurou.
"Tia, a culpa não foi sua." eu tentei consola-la. A verdade é que a culpa era dela, e eu estou bem ciente disso, mas todos merecem uma segunda oportunidade, não é verdade?
"Foi sim. Eu culpabilizei-te a ti e à tua prima por algo de que vocês não tinham culpa nenhuma."
"Tia, deixe estar. Passado é passado."
"Mas querida... eu sinto-me tão culpada." ela confessou.
"Não esteja. O que passou, passou."
Ela sorriu-me e de seguida voltou a abraçar-me, deitando-me no seu colo e afagando os meus cabelos com os seus dedos esguios.
"És uma menina de ouro." ela sussurrou ao meu ouvido, e com isto fechei os olhos e adormeci ali, no se aconchego.
Nota da autora:
Olá olá pessoal!
Gostaram do capítulo?
Beijos, Carol.
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Never say never...
De TodoÀs vezes, as escolhas erradas levam-nos por caminhos errados, e Beatrice não foi exceção. A sua vida é um verdadeiro jogo sem saída, onde as mentiras são a principal realidade e a verdade é estritamente proibida. [Atenção: Antes de começarem a ler q...