Chapter 23

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Evelyn P.O.V.

Um silêncio perturbador mantinha-se no ar desde que entramos no carro. Para desanuviar um pouco o ambiente, resolvi ligar o rádio, mas mesmo assim aquele silêncio incómodo continuava a ser perturbativo.

Vejo-me obrigada a parar com o sinal vermelho, e calco o travão. Olho para o lado e vejo o olhar obscuro e vazio de Beatrice focado na estrada. Pequenas lágrimas ameaçavam brotar dos seus olhos azuis safira. A sua cabeça repousava parcialmente sob o vidro, e as suas mãos remexiam-se freneticamente no seu colo.

"Beatrice?!" chamo.

A sua cabaça move-se para o lado, e observo meticulosamente cada detalhe do seu rosto entristecido. Os seus olhos estavam vermelhos, e no canto do seu olho esquerdo pendia uma pequena lágrima. Dois enormes papos negros proclinavam por debaixo dos seus olhos, e o seu fungar constante ecoava no vazio.

"Está tudo bem?"

"Sim." ela murmura.

"Sabes que não precisas de me mentir, certo?"

Vejo-a revirar o olhar e bufar em descontentamento.

"Eu sei Evelyn, estou apenas a pensar."

"Pensar no quê?"

"No passado."

O sinal começa a piscar entre o verde e o amarelo. Levo o pé ao acelerador e pressiono prego a fundo, começando a conduzir a uma velocidade alucinante estrada fora.

"O que queres dizer com isso?" retomo a conversa.

"Nada." ela diz rapidamente, tentando dar a conversa como terminada.

"Como queiras." bufo descontente.

Não valia a pena insistir com ela, porque no final de contas quem ia perder era eu. Esta última semana foi crucial para nos conhecermos melhor. Descobri imenso sobre ela, inclusive descobri também que ela é uma rapariga teimosa e determinada que gosta de levar sempre a sua avante.

A conversa parou com o solavanco que o carro deu assim que pressionei o travão, puxando a embraiagem e retirando a chave do carro. Abro a porta do condutor e saio do carro, espreguiçando-me.

"Chegamos!" anunciei, bocejando demoradamente.

Oiço a porta do pendura abrir e volto-me para trás, trancando o carro. Encaminho-me até um prédio velho com uma estrutura e aparência bem antigas, e espero pacientemente por Beatrice, que caminhava vagarosamente atrás de mim.

Empurro a porta de entrada, que por norma costumava estar sempre destrancada, devido à enorme quantidade de vezes que era utilizada pelos inquilinos ao longo do dia, e deparo-me com uma extensa moldura de elevadores diosos. Encaminho-me até um deles e clico no botão, aguardando impacientemente por ele. Assim que este chega, entro no elevador acompanhada por Beatrice e clico no botão pertencente ao 10º andar. A porta do elevador já ia a fechar quando uma mão se mete entre as portas, fazendo-as abrir novamente.

"Bom dia Evelyn!"

"Bom dia Ethan!" cumprimento-o de volta. "Apresento-te a Beatrice. Beatrice, apresento-te o Ethan."

Vejo uma pequena troca de olhares entre eles, que resulta num sorriso safado da parte de Ethan e numa Beatrice vermelha dos pés à cabeça.

O elevador para e Ethan sai. As portas voltam-se a fechar e o elevador volta a andar, parando um pouco mais a cima.

Assim que as portas se abrem novamente, saio de lá de dentro e dirijo-me até uma enorme porta castanha de madeira falhada.

Levo a minha mão ao bolso das calças e retiro de lá as chaves, colocando-as na fechadura da porta. Rodo vagarosamente a chave, para não danificar a fechadura antiga, e assim que oiço o clic da porta a abrir, empurro-a rapidamente e entro em casa.

"Uau" solta Beatrice. "Nunca pensei que uma casa assim num prédio antigo na zona central da cidade pode-se ser tão bonita!" ela exclama.

Podemos dizer que apesar de o prédio já ser bem antigo e tudo mais, a casa está totalmente renovada, tendo assim uma aparência mais jovem e moderna.

Assim que entramos, temos vista direta para a enorme sala. Há um sofá circular em volta do canto da parede do lado esquerdo, que tal como muitos outros prédios tradicionais Ingleses, tem uma arquitetura particularmente interessante por ter uma estrutura arredondada, repleta de enormes vidraças com vista para a avenida. No centro do sofá encontra-se uma pequena mesa envernizada, de pé baixo, com uma pequena pilha de revistas por cima.

No centro da sala, em frente à lareira embutida na parede lateral, encontra-se um enorme sofá velho em tons de encarnado, com uma pequena mesa central. A televisão encontra-se pregada à parede contrária, e todo o chão do apartamento era revestido de uma madeira já gasta e velha que rangia imenso.

Um pouco mais para o lado, atrás do sofá, encontra-se uma pequena mesa de jantar em madeira, com algumas cadeiras a rodeá-la. E logo à frente fica a cozinha, onde se situa uma enorme bancada de mármore com imensos eletrodomésticos embutidos completamente modernizados.

Depois de mostrar todo o andar a Beatrice, decido levá-la até ao andar de cima, onde se encontram os quartos.

"Então," começo. "aqui do lado esquerdo, nesta porta branca, fica a casa de banho que eu e os meus irmãos utilizamos. Além de ser grande, tem a vantagem de dar para fechar por dentro, o que é algo que na nossa idade é quase que uma condição irrevogável. A porta da frente é a do quarto de hóspedes, e aquela ali ao fundo do corredor é a do meu quarto." digo, apontando respetivamente para os sítios. "Aquela porta ali atrás à direita é a do quarto do meu irmão mais velho, e a da frente é a do meu irmão mais novo. O quarto dos meus pais fica lá em baixo, naquela porta que está ao lado da entrada." explico, seguindo o caminho até ao meu quarto.

Assim que abro a porta, vejo a sua boca abrir em espanto. O meu quarto é, de uma forma simpática de dizer, acolhedor. O chão é de uma madeira velha e gasta, que range imenso. As paredes estão pintadas em tons de branco sujo, e tal como na sala, também o canto direito do meu quarto apresenta uma estrutura arredondada, repleta de enormes vidraças com vista para a avenida. Todo o mobiliário é em tons de castanho, e os cortinados são de um tom bege acastanhado. A colcha é azul clara, e as almofadas brancas e castanhas. A cama fica no canto direito do quarto, no centro das vidraças, e as cômodas estão decoradas com algumas molduras e fotografias antigas.

"Estás a pensar entrar ou ficar ai à porta?" inquiri, abrindo um largo sorriso.



Beatrice P.O.V.

Deixando escapar um pequeno sorriso por entre os meus lábios, rolei os olhos e entrei no seu quarto. Caminhei até à sua cama e sentei-me, sentindo o colchão afundar ao meu toque. Coloco de novo o meu olhar em Evelyn e lanço-lhe um pequeno sorriso forçado, preparando-me para o que ai vinha.

"Queres contar-me alguma coisa?" ela perguntou, encostando-se ao roupeiro.

Olhei para os seus olhos castanhos chocolate e senti-me como que acolhida por ela. Talvez se lhe contasse tudo de uma vez, deixasse de sentir aquele aperto na garganta que sentia cada vez que mentia sobre algo relacionado com este assunto. Claramente que não o iria contar a toda a gente, provavelmente só teria coragem de lho contar a ela.

"Podes confiar em mim." Ela assegurou-me, sentando-se a meu lado.

Respirei fundo uma e outra vez, e quando finalmente ganhei coragem para falar, suspirei profundamente. E com isto comecei a contar-lhe tudo aquilo que guardava cá dentro há já imenso tempo. Contei-lhe tudo. Contei-lhe de todas as vezes que me magoei a mim própria, de quando o meu pai descarregava em mim a fúria que sentia do mundo e da sua má sorte. Contei-lhe das consecutivas noites de choro que passava trancada no quarto noites e noites a fio. Contei-lhe tudo. E quando finalmente acabei, Evelyn aproximou-se de mim e envolveu-me nos seus braços, abraçando-me. E foi ai que percebi finalmente que a podia chamar de amiga.






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⏰ Última atualização: Dec 06, 2015 ⏰

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