Na tarde de uma sexta-feira de março, tudo começou a mudar.
Depois de Bosten, minha melhor amiga era Emily Lohman.
Ela também estava no nono ano
e era a única menina que eu conhecia que nunca tinha gozado da minha cara.Eu ficava encantado com a perfeição dela.
Era o fim do inverno.
Nós morávamos no litoral.Quando Bosten era mais novo, nós três costumávamos caminhar da casa dos meus pais até a praia.
Íamos para debaixo do cais e levantávamos as pedras atrás de siris, que a gente levava para casa em latinhas cheias de pontos de ferrugem.
E depois, nos perguntávamos por
que eles morriam tão rápido sob nossos cuidados.Aos 16 anos, Bosten disse que estava muito velho para ir catar siris comigo e com Emily.
Acho que ele ainda queria fazer isso às vezes, mas havia outras coisas na cabeça dele naquele momento, outras coisas que ele procurava.
Ele era agressivo e rebelde como um cavalo, que preferiria morrer a se deixar montar.
Ele me fazia rir também. Eram risadas de verdade, que me faziam cócegas por que deixavam
meus olhos com lágrimas.E, ao longo dos anos, Bosten saiu com o nariz sangrando várias vezes, por me defender.
Eu sempre me importei muito menos em ouvir provocações do que em ver meu irmão levar alguma surra por minha causa.
Tem algo naquele céu cinza de fim de inverno em Washington que faz a gente se sentir molhado por dentro, como se estivéssemos enterrados sob uma pilha de folhas apodrecidas,
como se não conseguíssemos nunca ficar secos e aquecidos.Minha calça jeans e minhas botas estavam ensopadas de água do mar.
De algum jeito, grãos de areia conseguiram ir parar dentro das minhas meias e se alojaram entre meus dedos meio adormecidos.
Eu sempre tinha problemas com a minha mãe se chegasse em casa com os pés molhados.
Já estava bolando um plano de parar em algum lugar no bosque e jogar fora minhas meias.
- Eu odeio o inverno - disse Emily.
Ela sempre andava do meu lado esquerdo e nunca comentou nada a respeito daquele hábito.Estávamos indo para o norte, longe do cais, com a água preta e serrilhada do Estreito de Puget
me empurrando contra ela sempre que eu tentava fugir do arrasto do mar.- Eu também - e vi minhas palavras se transformarem em névoa na frente do rosto. - Aqui tem um bom.
Um siri gordo de coloração arroxeada e garras amarelas correu feito uma aranha para fora da areia lamacenta entre dois pedregulhos pontiagudos.
Existe um truque para se pegar siris. Se eles te virem, geralmente vão correr e se enfiar em tendas aparentemente impossíveis de entrar entre as pedras. É preciso pegá-los de forma rápida e confiante, por trás e de cima, em um ângulo de ataque perfeito.
Meu ângulo estava meio errado naquele dia.
O siri me pinçou justamente na pele macia entre o polegar e o indicador.
Eu gani feito um chihuahua cuja pata foi pisada e sacudi minha mão.
O siri correu livre para a água.
Emily riu.- Que merda! - eu disse.
E aí eu ri também.Ela era a única pessoa além do Bosten na frente da qual eu podia fazer qualquer coisa sem
ter vergonha.
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Minha metade silenciosa
PertualanganStark McClellan ou Palito, tem 14 anos e uma vida conturbada, além de sofrer bullying devido à uma deformidade em seu rosto, Palito e seu irmão mais velho Bosten, o humano que Palito mais gosta no mundo, sofrem diariamente os abusos dos pais. Cansad...