Bosten

52 5 0
                                    

Meu pai chegou tarde em casa.

Ele estava bêbado, e eu tinha dormido na cama dobrável sem comer nada no jantar.

Ouvi Bosten discutindo com minha mãe a meu respeito, mas não deu em nada.

Eram 10 horas da noite.

A chave girou. Papai entrou no quarto.

Quando abri os olhos, ele parecia um fantoche de sombra com um olho vermelho de ciclope por onde sugava o cigarro que trazia nos lábios.

Eu estava todo vestido. Aquela não era uma das idas de sempre para o quarto de São Fillan; naquele dia, funcionou mais como uma cela de prisão.

A camisa de flanela que eu usava estava meio úmida por causa do suor que apareceu enquanto eu dormia, e senti um leve calafrio quando puxei o lençol fino que me cobria.

- Bosten - ele falou, embolando as letras, e correu a mão no ar sobre minha cabeça.

Encolhi-me.

- Não, sou eu.

- Bos...

Ele agarrou minha camisa e começou a puxá-la para fora da calça.

- Não! - eu disse. - Sou eu, Palito!

Ele caiu de joelhos ao lado da cama.

Seu cheiro era terrível, como vômito misturado com gasolina. Seu cigarro caiu da boca e foi ao chão.

De repente, meu pai era só mãos em cima de mim, não batendo, mas agarrando, puxando minhas roupas, deslizando aquelas mãos frias para debaixo da minha camiseta branca,


esfregando minha pele.

Eu o empurrei para longe.

- Pare!

Eu nunca tinha falado com meu pai daquele jeito a minha vida toda.

Aquilo o assustou.

Seus olhos cinzentos se estreitaram com raiva sob a luz velada que vinha do corredor. E

le parecia surpreso, como se não entendesse o que estava acontecendo. Então, caiu fragilmente sobre a cama de armar.

Livrei-me dele e fui para a porta.

Meu pai já estava apagado.

Olhei de novo e vi o cigarro ainda queimando no chão bem ao lado da roupa de cama.

Pensei em deixá-lo lá, mas o catei do chão.

O resto da casa estava escuro e morto.

Eu fui para o porão.

Deitado na minha cama apertei minha orelha contra o cano e olhei pela janelinha.

Não dava para ver nada, mas lá fora tinha mais luz que dentro. Nenhum som vinha do cano.

Já que eu dormia no porão, geralmente deixava minha porta aberta. Mas não naquela noite.

Meu pai tinha me assustado.

Às vezes, não ouvir as coisas era até bom. Outras vezes, era aterrorizante.

A porta do meu quarto se abriu.

- Shhh... Palito? Sou eu - sussurrou Bosten. Sua voz me assustou assim mesmo.

Sentei-me prontamente, e Bosten se aproximou na ponta dos pés e se sentou na cama comigo.

- Você me assustou pra cacete.

- Foi mal, Palitoso. Só queria saber se estava tudo bem com você.

-Tá tudo bem. Papai dormiu no quartinho.

Minha metade silenciosaOnde histórias criam vida. Descubra agora