Papai e Mamãe

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Era pouco antes da meia-noite quando Bosten e eu chegamos em casa.

Meu pai e minha mãe estavam nos esperando.

Nem viram que não era Bosten quem estava dirigindo quando a gente parou o carro ao lado do Pontiac do meu pai.

Não tinha a menor chance de eles saberem que eu tinha enfiado a mão
atrás do painel e reconectado o cabo do odômetro, ou que eu tinha batido os tapetes para tirar os traços da maconha que Paul tinha derramado em sua tentativa desajeitada de fazer um baseado.

Mas eles nem precisavam saber de nada daquilo, porque já estavam sabendo do suficiente.

Coisas assim aconteciam na nossa casa mais ou menos uma vez por semana.

Meu pai já tinha tirado o cinto e estava com ele enrolado na mão antes mesmo de a gente passar pela antessala.

Minha mãe ficou mais para dentro, na porta da sala de estar.

Logo que Bosten pisou na sala, meu pai o agarrou, segurando sua camisa de flanela como uma bola em frente ao pescoço.

Então o puxou para dentro da sala, na frente da mamãe, e jogou meu irmão no chão próximo à poltrona onde sempre fumava enquanto assistia à televisão. Bosten caiu feio e ainda derrubou um cinzeiro cheio de bitucas.

Tive certeza de que meu pai ficou com mais raiva ainda.
Todo mundo sabia o que aconteceria a seguir. Era sempre a mesma cena, só que às vezes mudava de ator quando o astro era eu.

O roteiro podia variar um pouco também. Mas, na minha opinião, se você já tivesse visto uma vez, não precisava assistir de novo.

Meu pai acertou Bosten bem no meio das costas. Com força. Soou como se o cinto pudesse partir meu irmão ao meio.

Bosten deu um grito.

Saiu patético.

Como sempre, eu pensava que poderia desaparecer dali sem ser notado, então bem furtivamente tirei os sapatos e comecei a ir para a escada do porão.

Tudo cheirava a fumaça.

Mas minha mãe estava logo atrás de mim. Ela me agarrou pelo cabelo - ambos gostavam de me pegar pelo cabelo nessas situações, e isso ainda os lembrava de que eu tinha de cortar o cabelo no dia seguinte - e me conduziu à sala, segurando minha cabeça de modo que eu não podia deixar de olhar para o meu pai e meu irmão.

- O pai de Ricky Dostal me ligou - disse papai. E bateu em Bosten de novo, não tão forte dessa vez, só um safanão do tipo que se daria em um cavalo. Era o jeito de ele assegurar que Bosten e eu soubéssemos o título da história que viria em seguida.

Bosten juntou os braços na poltrona como se a abraçasse, como se amasse muito aquela poltrona. Ele nem tentaria se mover.

- Quatrocentos dólares! - meu pai disse, e bateu o cinto contra Bosten mais uma vez. Dessa vez, não estava apenas querendo nossa atenção.
- E isso o que ele quer que eu pague pelo pronto-socorro! Malditos 400 dólares!

Ele então atingiu Bosten na nuca.

Ouvi meu irmão berrar.

Mas foi baixo, encoberto pela almofada da poltrona onde meu pai fumava.

Eu ouvi assim mesmo.

Mamãe torceu sua mão em mim, como se me dissesse que era melhor eu não olhar para o outro lado.

-Você acha que é muito durão, batendo em um menino de 14 anos? Como você acha que eu vou pagar 400 dólares?

Eu nem desejava que ele parasse.
Sabia que desejar era bobagem.

Minha metade silenciosaOnde histórias criam vida. Descubra agora