Emily

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O vôo de Los Angeles à Seattle não era longo o suficiente para fazer aquela tristeza sair da minha cabeça, ou para me fazer parar de pensar no monte de "nuncas" que iam se empilhando: "nunca isso" em cima de "nunca aquilo", sobre um "nunca aquele outro", como montanhas à minha frente.

Logo antes de o avião pousar, Bosten me deu um soquinho no ombro e disse:

- Sai dessa.

Dei um soquinho de volta:

- Sai dessa você.

- Eu sei.

- O que o Paul disse ontem à noite?

Eu já sabia a resposta. Dava para dizer pelo modo aliviado como meu irmão passou a agir depois que Dahlia e eu voltamos de nossa caminhada.

- E... Ele disse que já terminou com a namorada.

- O experimento dele não foi muito longo, né?

Bosten sorriu e balançou a cabeça.

-Não.

- Ah, meu Deus ! Olha só para vocês dois! - exclamou a senhora Buckley praticamente às lágrimas quando nos viu no aeroporto.

Dei uma olhada rápida para Paul e vi em seus olhos o quanto ele queria abraçar meu irmão.

E pensei: Por que ele não pode fazer isso? Que coisa besta.

- Vocês estão tão morenos! Parecem outras pessoas! - ela disse. - Olha só para esse cabelo!

Acho que não tinha percebido o quanto ficar no mar o dia todo tinha mudado nosso visual.

Estávamos bronzeados e com uma aparência saudável.

Até a senhora Buckley mencionar, eu não tinha nem notado o quanto o cabelo de Bosten tinha ficado mais claro.

E agora estávamos de volta, na terra das salamandras das cavernas.

Onde minha mãe e meu pai moravam.

Além de me causar uma ereção todas às vezes em que eu a via, a senhora Buckley também dirigia o carro mais legal que alguém podia imaginar.

Era um Trans Am azul e branco


novinho, completo, com ar-condicionado e uma coisa parecida com um grande pássaro pintado


no capô.

Bosten e eu enfiamos nossas coisas no porta-malas e então Paul disse:

-Vou deixar o Palito ir na frente. Ele é o mais alto mesmo.

Eu não achava que era o mais alto, mas também não ia implorar para me espremer no banco de trás.

Aliás, sempre existia a possibilidade de a mãe dele esbarrar os dedos na minha perna quando fosse mudar de marcha.

Quando chegamos ao outro lado do Estreito de Puget, a senhora Buckley perguntou se precisávamos ir em casa pegar roupas ou alguma outra coisa, e Bosten e eu dissemos "não"


ao mesmo tempo.

Virei-me para trás e olhei para o espaço entre os bancos.

Paul estava com a mão no joelho de Bosten, e o braço do meu irmão estava esticado no topo do banco com os dedos encostando-se à nuca de Paul.

Era algo até inocente, eu acho, e


não tinha jeito de a senhora Buckley adivinhar o que se passava.

Eles pareciam muito contentes, e eu ficava feliz com aquilo. Mas talvez eu tenha admirado por tempo demais, porque Paul me lançou um olhar furioso que me fez voltar para a frente.

Minha metade silenciosaOnde histórias criam vida. Descubra agora