Papai

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A primeira coisa que meu pai falou quando o pai de Emily me deixou em casa foi:

- Imagino que você tenha de lavar algumas peças de roupa para recomeçar na escola na segunda-feira.

Ele ficou lá fora conversando com o senhor Lohman enquanto eu carregava minha mala casa adentro e pela escada até o porão.

Emily ficou esperando no carro.

Tentei não ver nossa despedida silenciosa como um problema.

Havia coisas que eu achava que precisavam ser ditas, mas nós não chegamos a abordá-las.

Além disso, todas as palavras estavam presas na minha cabeça, de qualquer jeito.

Prometemos um ao outro nos encontrar no dia seguinte, o último de nosso feriado.

Pensei que então eu, talvez, pudesse contar as coisas para ela.

Parecia que eu havia ficado fora por muito tempo, mas, no momento em que pus o pé na porta e senti o cheiro da minha casa, todo o tempo e a distância se quebraram como vidro sob um golpe de martelo.

Dei uma olhada para ver se Bosten já estava em casa também.

Não estava.

Como de costume, ele tinha sido esperto e feito seus arranjos.

Tentei me manter ocupado e me fazer tão invisível quanto pudesse.

Desfiz minha mala.

O traje de surfe que Evan havia me dado estava pendurado na borda da minha janelinha, para que eu pudesse admirá-lo.

Ainda tinha o cheiro do mar.

Escondi minha camiseta Sex Wax bem no fundo da minha gaveta de meias.

Acho que nunca na vida meu pai tinha bisbilhotado minhas coisas, mas eu poderia estar enganado.

O caso é que tudo era diferente agora.

O pacote de parafina deixei debaixo do meu travesseiro, para que eu pudesse sentir o cheiro quando fosse dormir.

Era como se eu tivesse total controle do meu mundo quando estava dentro do meu quarto. Mas acreditar nisso era bobagem.

Meu pai desceu as escadas enquanto eu estava pondo as roupas na máquina de lavar.

Ficou em pé no último degrau, fumando e olhando para mim. Tive de me concentrar no que estava


fazendo.

Ele me deixou preocupado, pois eu esperava que ele fosse me dizer que eu eslava fazendo alguma besteira, e aí me diria o quanto eu era burro.

- Quando seu irmão chegar, nós três vamos sentar e ter uma conversa.

- Ah. Tudo bem.

- As coisas serão diferentes de agora em diante. Temos de pensar em novas regras. Vocês dois terão de dar conta de mais coisas na casa.

- Sim, senhor.

Ele ficou me observando por mais alguns minutos. Quando seu cigarro queimou até o filtro, ele voltou lá para cima.

No começo da noite, logo antes de escurecer, meu pai foi até a casinha do poço artesiano com a caixa de ferramentas, proferindo xingamentos.

A ponta acesa de seu cigarro se movia para um lado e para o outro a cada "maldito isso e aquilo" e "merda" que seus lábios


murmuravam.

Fiquei muito aliviado quando vi o Trans Am da senhora Buckley vindo pela rodovia e entrando pelo caminho de casa.

Minha metade silenciosaOnde histórias criam vida. Descubra agora