Tia Dahlia

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Dahlia fez rabanadas e bacon para o café da manhã.

Bosten e eu nos sentamos na cozinha, de cuecas, com os cotovelos na mesa, os olhos inchados e o rosto pálido, comendo em silêncio enquanto o céu ficava mais claro lá fora.

Tudo estava diferente.

Dahlia se sentou e ficou nos observando. Ela tomava café. Eu não queria que ela ficasse triste com a situação.

- Você pode vir surfar com a gente, Dahlia - eu disse. Ela pôs sua mão sobre a minha e sorriu.

- Você é muito gentil. Mas eu acho que ia ficar muito preocupada de ver vocês lá naquela água.

E eu me perguntei o que ela pensaria se visse como era lá em casa.

Dahlia afastou sua cadeira e foi até a sala de estar. Ao voltar, deixou as chaves do carro e uma nota de 20 dólares na mesa, perto da mão de Bosten.

- Quero que vocês se divirtam - ela disse. Bosten olhou para ela e agradeceu com a cabeça.
Então olhou para baixo e deu um sorriso. - No momento, não tenho nenhum bolso para guardar
isso.

Eu o cutuquei por baixo da mesa com meus dedos do pé e ri.

- Você é muito mané.

- E daí?

Levei meu prato para a pia, então me aproximei de Dahlia e dei um beijo nela.

Eu nunca tinha dado um beijo em ninguém na vida. Sentime enrubescendo.

- Obrigado, Dahlia. Vem, vamos lá, Bosten.

Ela nem foi ver o carro indo embora nem nada assim.

Acho que Dahlia queria mostrar a Bosten o quanto ela confiava nele e o quanto realmente não se importava com coisas como o carro, quando existem outras coisas mais importantes no mundo, como as
pessoas.

Eu nunca tinha pensado assim antes.

Às vezes, eu me perguntava por que ela nos tratava daquele jeito, por que tinha nos aceitado tão bem.

Não era aquele tipo de tolerância estéril que podíamos esperar do professor de educação física ou da enfermeira que nos dava vacinas contra tétano; era diferente.

Uma vez, ela me contou a respeito do seu marido que morreu quando tinha apenas 25 anos.

Eu disse que ele devia ter sido um sujeito muito bom, mas não consegui olhar para ela quando disse isso.

Aquilo me deixou mais triste que qualquer outra coisa.

Era difícil entender como coisas que deixam as pessoas más e cruéis não funcionam da mesma maneira para todo mundo.

Ela era uma pessoa extraordinária, eu pensei.

E minha cabeça estava tão cheia de admiração e espanto depois daqueles poucos dias na casa de tia Dahlia que eu não sabia se algum dia conseguiria me desapegar daquilo e voltar a tolerar Washington de novo.

Enquanto dirigíamos pela Oceânica até a casa dos gêmeos, comecei a fazer as contas, como Bosten faria, calculando quantos dias faltavam até voltarmos para casa.

Aquilo fez com que eu me sentisse escuro por dentro.

Só mais cinco dias. Segunda-feira. O dia depois da Páscoa. Teríamos de voltar para casa.

- Por que você está todo quieto?

- Nada não - e apontei adiante. Evan e Kim já estavam do lado de fora nos esperando. - Estacione aqui.

Minha metade silenciosaOnde histórias criam vida. Descubra agora