Emily

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De manhã, tentei sair escondido enquanto eles fumavam seus cigarros e tomavam café. Minha mãe me parou.

- Stark McClellan - ela disse.


- Você não vai sair de casa desse jeito.

E eu sabia o que ela queria dizer com "desse jeito".

Meu pai me deu uma olhada.

- Você parece um maldito mendigo.

Parei no alto da escada do porão. Minha mãe veio da cozinha, segurando seu cigarro ao contrário em uma mão e a máquina de cabelo na outra, ligada em uma extensão verde atrás dela.

- Tire essa camisa e a que está por baixo e vá lá pegar a escova.

Eu odiava quando ela cortava meu cabelo.

Fiquei lá parado na varanda da frente, sem nada da cintura para cima, ouvindo o ruído que vinha daquele lado, a máquina zumbindo feito um inseto. Ficava fascinado com o fato de mãe conseguir fumar sem precisar usar as mãos; afinal, uma estava firmando minha cabeça e a outra conduzia o pente da máquina para cima, para cima e mais para cima, desbas-tando desde a base do pescoço e em volta da única orelha, e então para o outro lado, naquele


ponto vazio à direita da minha cabeça.

Eu gostava de como as lâminas beliscavam meu pescoço. Mas estava bem frio ali fora e eu tremia.

- Fique parado.

Tudo coçava. Meu cabelo ia caindo em tufos compridos sobre meu peito e ombros e até entrava na minha calça e chegava às pernas.

Meus braços estavam firmemente cruzados suportando as cócegas dos cabelos e o frio da manhã. Tentei soprar os cabelinhos da ponta do


nariz.

- Por que você não consegue ficar parado?

Minha mãe estava ficando nervosa.

- Desculpa.

Ela desligou a máquina.

- Pronto. Agora limpa isso.

Fiz um rastelo com os dedos e tentei tirar o máximo possível do que estava na pele antes de vestir de novo minha camiseta e a camisa por cima, para dentro da calça.

Na minha casa, havia regras sobre como os dois filhos deveriam se vestir.

Meu pai as estipulou.

Nosso cabelo nunca passava de um centímetro.

Sempre deveríamos pôr a camisa para dentro da calça antes de sair de casa, e tínhamos de usar camisetas brancas por baixo.

Sempre.

Nunca podíamos sair de casa usando só uma camiseta comum, como faziam todos os outros garotos.

Meu pai dizia que isso era desrespeitoso, como andar em público só de cueca, que, aliás, não podia ser de nenhuma outra cor a não ser branca.

E nunca usávamos pijama, não importava o quanto estivesse frio.

Meu pai disse que os filhos dessa família nunca usavam pijamas para dormir.

Bosten e eu nunca, nem por uma vez, questionamos as regras.

Eram apenas regras.

- E você tem de comer alguma coisa no café antes de sair para fazer qualquer coisa.

- Sim senhora.

Tinha de varrer cada fiapo de cabelo da varanda e depois limpar até os pelos da vassoura antes de entrar em casa.

Minha metade silenciosaOnde histórias criam vida. Descubra agora