Capítulo XII

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Horas após aquele memorável encontro, Lírio encontrou o maestro com a sua cabeça mais perdido na sua mente do que nos corredores infindáveis daquela colossal sala.

Ludwig decidira deixar como segredo aquele clima que havia ocorrido entre ambos, fingindo a sua desconcentração ter sido causado pela quantidade de trabalho que tivera tido no seu primeiro dia de trabalho: começar a verificar o arquivo das primeiras estantes à entrada da biblioteca. Sem trocar muitas palavras, apenas algumas para manter uma conversa minimamente trivial, fizeram o caminho de volta para fora do território dos mecanismos, para perto do salão, subindo então a escadaria que dava a um dos inúmeros sótãos daquele lugar.

Mal abriu-se a porta, o músico encaminhou-se à sua cama, sentindo o cansaço a dominar o seu corpo, deixando-se cair nela, mergulhando num sono profundo.

No meio da escuridão, uma melodia sussurrava ao seu ouvindo, encantando os seus sonhos esquecidos. Eram notas suaves de vindas do bailado dedilhado nas teclas negras e brancas de um piano, acompanhadas por relampejos de memórias, dos olhos avelanados mergulhados nos dele, da sensação dela estar tão próxima dele, da respiração quente a tocar na sua face e, sobretudo, a sensação da sua pequena mão pousada sobre o seu coração.

A voz calma e graciosa de Mélodie, acompanhada pelas notas melancólicas e taciturnas do piano, embalavam os seus sonhos, repetidamente, como se ele se tivesse tornado num marinheiro que havia mergulhado no canto de uma sereia.

Até que, aos poucos sentiu-se abalado por uma repentina tempestade nos seus sonhos, mas uma visão cruzou diante dos seus olhos, uma memória do rosto dela a centímetros do seu, esboçando nos seus lábios palavras que haviam sidos soprados aos seus ouvidos: Não está com medo de mim, Ludwig?

Ludwig...

Ludwig...

— Ludwig! — Uma voz rouca exclamou em sussurros contidos aos seus ouvidos, dando um último forte abanão nas suas costas.

O músico, ainda atordoado, abanou fortemente a sua cabeça, a tentar retornar à realidade, pousando a mão no ombro que havia sido sacudido. Com os olhos ainda pesados, encarou em direção da voz, distinguindo o perfil familiar de uma figura masculina, que estava às escuras, recortado pela luz do luar que se adentrava através da janela, que definia os seus cabelos ondulados que caiam acima dos seus ombros.

— Finalmente acordou, amigo!

— Jahan? — Levantou-se, passando a mão na sua nuca, estremunhado. — O que estás a fazer aqui? Devemos estar plena madrugada.

— Exato! E sabes o que isso significa, parceiro?

Mesmo na escuridão, o músico conseguia imaginar o sorriso de lado desenhado na curva dos lábios do moreno, de puro divertimento.

— Não, mas acredito que irás na mesma contar-me.

Ignorando a ironia que ondulava nas palavras do maestro, Jahan continuou:

— Após a noite da lua cheia, os Corações Perdidos reuném-se em todos os ciclos. — Ao mesmo tempo que falava, gesticulava exageradamente com as suas mãos, continuando o seu discurso de uma forma um tanto teatral. — Unindo-se diante as adversidades deste mundo de Elunaria.

O asiático fez lentos aplausos:

— Bravo... Bravo.... Acho que fora deste mundo deverias ser escritor, com essa tamanha emoção. Mas não me convenceste. — Voltou a acomodar-se debaixo dos seus cobertores, virando-lhe as costas. — Agora, deixa-me dormir.

Os olhos achocolatados de Jahan fitaram-lhe profundamente, sentindo-se desafiado. Sem pensar duas vezes, com uma expressão manhosa, baixou-se ao nível do seu beliche, sussurrando-lhe.

A Pianista dos Corações PerdidosOnde histórias criam vida. Descubra agora