Após um longo dia verificando o arquivo musical organizado naquelas infindáveis estantes, Ludwig deu um longo suspiro, com a cabeça totalmente perdida nos seus pensamentos e interrogações. As suas mãos trabalhavam sozinhas enquanto a sua mente repensava todas as informações que havia recebido desde que havia chegado àquele lugar.
No entanto, também momentos da sua antiga vida lhe vinham à memória, à medida que os seus dedos sublinhavam as frases musicais determinadas por notas, claves, compassos e andamentos. Recordava-se do porquê que havia apanhado daquele comboio, das noites em claro, dos olhares pretensiosos e do vácuo que dominava a sua mente, mais pesado do que toneladas, sobre os seus ombros.
Parecia que aquelas memórias pertenciam a uma história que não era a sua, de uma era que não era sua, apenas estando ali não fazia mais do que meros dias. Parecia que tudo que vivera tinha sido apenas um sonho. Como se as suas anteriores preocupações nunca tivessem tido uma razão para existirem. A sua mente havia-as tornado numa estranha névoa, que nem ele próprio conseguia chegar totalmente a elas, apenas ouvindo pequenos sussurros de memórias do seu passado. Seria aquele o efeito colateral da melodia que havia encantado a si mesmo?
Um outro suspiro saiu dos seus lábios.
Deu como terminado aquele dia de trabalho, arrumando finalmente o último livro na prateleira.
Apenas ouvia-se o silêncio ensurdecedor que ecoava por todo aquele inóspito lugar. No entanto, não havia comparação daquele silêncio comparado com o vazio que ocupava o seu coração. Sentia que era apenas guiado por uma desoladora sensação de desorientação, perdido, sentindo que o seu futuro parecia um borrão de tinta manchada numa tela em negro.
Passos lentos e cansados ressoaram num seco eco, seguido de pequenas réplicas sopradas num leve sussurro, até que a mão dele rodeou a pega da candeia, cuja chama tremelicou quando ergueu aquele pequeno objeto do chão, iluminando o seu caminho.
Antes de pisar o corredor envolto pela escuridão da noite, olhou para trás, encarando uma última vez aquele lugar que era inundado pelo silêncio.
— Irónico... Uma sala guardiã da música não ter mais do que silêncio.
Ele deu um cansado riso diante daquele pensamento e fechou a porta, rodando a chave duas vezes. Sem ter muita pressa, perdido nas suas reflexões, passou a caminhar dentro do labirinto de arrepiantes corredores escuros e vazios, cujo qualquer um não teria a coragem de vaguear por ali.
Os seus olhos observavam, curiosos, os pormenores peculiares dos alicerces daquele lugar. As pontas dos seus dedos deslizavam pelas paredes, sentindo a superfície fria e metálica dos pequenos mecanismos que preenchiam toda aquela estrutura. Aproximando a luz quente da candeia até à parede, reparou que todo aquele lugar era como se vagueasse pelo interior do engenho da caixa de música que brincara na sua longínqua infância.
Com a sua mente a fervilhar de pensamentos, continuou a analisar, adentrando-se pelos corredores desconhecidos, sem pensar sequer duas vezes. Os seus passos eram hesitantes ao começo da sua impulsiva exploração, erguendo a candeia até acima da sua erguida cabeça, tendo os olhos focados no teto em formato de túnel formado por amontoados de molas que aos poucos começavam a dissolver-se por pinos de ajuste, cilindros metálicos, que reluziam à luz da tremelicante chama.
A sua curiosidade acerca daquele lugar aumentava ainda mais, a cada passo que dava, como também a sua apreensão e medo. Até que, uma melodia suave e tão lhe familiar começou a soar e a soprar nos seus ouvidos, num ténue sussurro.
— Aventurando-se a esta hora, Ludwig?
Um arrepio deslizou por todo o seu corpo. O seu coração não resistiu ao impulso, batendo fortemente no seu peito. Os seus olhos rasgados desviaram-se das paredes do túnel, encarando a misteriosa figura que estava diante de si, profundos e silenciosos.
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A Pianista dos Corações Perdidos
FantasyMélodie, a pianista, cuja lenda conta que transforma suas vítimas em marionetes por onde passa, apenas com sua música, atraindo corações perdidos. Ludwig, um maestro e compositor preso num bloqueio artístico, foge de tudo e de todos até que, numa no...