Capítulo XV

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Os olhos avelanados assustados surgiam no meio da escuridão, acompanhados pelo leve sussurrar das notas do piano que o envolviam num profundo sono.

Mélodie...

Parecia que ele estava parado no tempo, onde as memórias daquela noite repetiam-se vezes sem conta, enevoadas em forma de sonho.

Mélodie...

— Mélodie!

Acordou de sobressalto, sentando-se na cama, com a respiração ofegante e o seu coração a bater forte no seu peito. Piscou algumas vezes os olhos e observou em seu redor, reconhecendo o ambiente onde ele estava. Era o sótão, perto da hora do nascer do sol. A divisão estava silenciosa, o único ruído que pairava no ar era a respiração calma e sonolenta do seu amigo platinado, que dormia na cama de cima.

Aos poucos sentindo o desespero do despertar a desaparecer, sentiu a sua cabeça tonta e os seus olhos ainda pesados. De forma a tentar se recompor, encostou a sua cabeça à superfície fria da parede, sentindo o seu corpo ainda dominado pela sonolência.

Lutando contra aquela sensação, esfregou o rosto com as suas mãos e passou a ponta dos seus dedos por entre os seus cabelos. Porque é que fizeste isto, Mélodie? Porque estás sempre a fugir de tudo e de todos? Um suspiro frustrado saiu dos seus lábios e encarou para a janela, com o olhar perdido nos seus pensamentos, enquanto observava os ténues raios do nascer do sol, que em breve retornar-se-iam a esconder tímidos para lá do horizonte, dando lugar novamente à noite.

No entanto, a conversa tensa e ameaçadora da Madame diante de Yuki não conseguiam sair da sua cabeça. Quem mais ela teria ameaçado naquele mundo? Quem são eles? E, porque Mélodie era a sua "exótica atração" do seu negócio?

Tantas perguntas o bombardeavam naquele momento em que ele havia caído na realidade, enquanto a sua mente mergulhava nas memórias que mais pareciam um mero sonho da noite anterior. Por mais que quisesse esquecer seus devaneios, a sua mente só se relembrava da sensação do abraço que lhe havia oferecido quando Mélodie estava num silêncio colapso.

As suas mãos fecharam-se em punho e os seus olhos estreitaram-se de dor, ao recordar a dor que estavam tão nítidos no rosto dela, nas suas íris avelanadas e nas suas mãos trêmulas e molhadas de suor frio. Uma fúria inconsciente acendia-se no seu coração, fortalecendo o seu desejo de querer descobrir toda a verdade por trás do misterioso mundo de Elunaria, onde, aos seus olhos, a pianista era também um coração perdido, como todos aqueles que eram marionetas nas mãos da Madame Edelgard.

Com as emoções ao rubor, levantou-se e arregaçou as mangas, tentando-se refrescar do calor da sua revolta. Saiu rapidamente e silenciosamente do sótão e desceu os degraus, encaminhando-se até ao vazio salão. As luzes alaranjadas e quentes já estavam acesas.

Sozinho, ali estava Yuki sentado ao balcão, circulando com a ponta dos dedos a circunferência vítrea da borda do seu copo de whisky. A sua expressão estava inexpressiva e abatida, com a sua postura inclinada e apoiada ao balcão do bar, de ombros encolhidos em direção ao seu peito.

Mesmo ouvindo os passos de Ludwig, ele não ergueu o rosto, continuando concentrado nos seus devaneios ansiosos e desesperados que gritavam na sua cabeça, suplicando por ajuda, relembrando a cada momento dos olhos azuis matadores que o rodeavam como uma presa, proclamando a sua sentença de morte caso o preço não fosse pago.

— Porque quando menos esperamos... A vida vira-nos de cabeça para baixo? — A voz grave do japonês ecoou por todo o salão.

Ludwig ficou sem uma resposta para a inesperada fala de Yuki, que estava cabisbaixo, a pouca distância da bebida. O seu vulto aparentava-se sinistro e taciturno, contra a luz alaranjada dos candelabros.

A Pianista dos Corações PerdidosOnde histórias criam vida. Descubra agora