Capítulo XVII

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Aquele lugar era literalmente uma redoma.

A superfície vítrea e circular separava-os do resto do mundo, que não era aquele. Sentindo-se intrigado, aproximou-se da berma da cúpula. Os seus olhos arregalaram-se, incrédulos com o que havia diante deles. O silêncio que isolava aquele lugar da noite escura como breu, apenas iluminada pela lua em quarto decrescente, provocava arrepios da cabeça aos pés, do quão surreal era aquele lugar. No entanto, o que lhe causava espanto eram os milhares de

pequenos planetas que orbitavam no vácuo, com cintilantes e tremelicantes luzes amareladas e alaranjadas de cidades e metrópoles, que se podiam avistar do alto, naquela redoma. Ludwig estava extasiado com o que os seus olhos viam, era uma visão inacreditável.

— Mas... O que é que?...

— Como é que chegaste aqui? — Uma voz feminina surgiu por trás dele, fazendo-o olhar para trás.

O seu olhar pousou na pequena figura trajada de vestido púrpura, iluminada pelo luar, a poucos metros de si. Os seus olhos avelanados transpareciam surpresa, mas não pareciam ameaçadores ou ferinos, apenas serenos. Os ombros dele relaxaram-se ao sentir a ausência de tensão entre ambos. O seu coração batia forte no seu peito diante da presença dela, mas estava calmo, como raramente estava.

— Não foi muito difícil de acompanhar os teus passos. — Deu um passo na direção dela, passando timidamente a ponta dos dedos por entre os seus cabelos negros.

Mélodie observou-o da cabeça aos pés, com uma expressão desconfiada e cruzou os seus braços.

— Devo considerar que a respiração ofegante é uma deficiência clara do teu sistema respiratório, então? Ou... — Deu um passo na direção do maestro, com um charme na sua postura. — A minha beleza corta a tua respiração?

Um sorriso de lado desenhou-se na curva dos lábios de Ludwig, que, com o coração a galopar no seu peito ao ouvir aquelas palavras, respondeu-lhe com uma voz profunda e encantadora:

— Acho que sabes a resposta.

Um sorriso genuíno quase escapou dos lábios rosados da pianista, que logo se retraiu, desviando o olhar para o miradouro, ao mesmo tempo que recuava alguns passos, estabelecendo alguma distância entre ambos.

— É a primeira vez cá?

Ele seguiu o olhar da pianista, levemente sem graça com a reação dela, recompondo também a sua postura.

— Sim, eu não conhecia esta parte do labirinto. — Aproximou-se novamente da superfície vítrea, olhando para baixo, para a galáxia de pequenas luzes citadinas. — O que são...

— São mundos. — Mélodie interrompeu-o, aproximando-se também da superfície, com o olhar perdido nos milhares de planetas. — O teu, Ludwig, é só um deles no meio de tantas realidades e mundos diferentes que existem.

Ludwig estava sem palavras.

— Todos eles...

— Para um cético é impossível, mas... — Ela afastou-se dele, deslizando a ponta dos seus dedos pela superfície lisa e fria do vidro cristalino. — Para um crente já é uma verdade aos seus olhos.

Com isto, virou o seu corpo e encarou-o, com um brilho misterioso no seu olhar.

— Parece que trocaste de lado, Ludwig.

Os olhos rasgados olharam-na, perdidos na sua figura etérea, que mais parecia uma pintura impressionista das noites estreladas de Van Gogh, transmitindo-lhe uma paz inabalável dominava o seu coração, parecia que estava num sonho.

— E... — A sua voz rouca falava-lhe com brandura. — Isso é bom?

Mélodie observou-o, intrigada pela sua pessoa. Parou por momentos, notando os cabelos negros e reluzentes à luz prateada que lhe caiam suavemente pela testa, do seu rosto cuidadosamente esculpido pelo luar, pelos lábios bem desenhados por onde as cuidadosas e calmas palavras dirigiam-se à sua pessoa, de uma forma que há muito tempo alguém conversava com ela.

Ela fechou os seus lábios entreabertos, com os seus olhos silenciosos. A sua expressão transparecia delicadeza, mas, ao mesmo tempo melancolia e nostalgia nas suas íris cor avelã.

— De onde eu venho... Quem era sonhador era chamado de tolo e quem era incrédulo era reconhecido como sábio.

Aquelas palavras ficaram marcadas na mente do maestro.

— E... Qual eras dos dois?

Os olhos dela ficaram marejados de mágoa.

— Tola.

O silêncio irrompeu por entre ambos, que se encaravam um ao outro. O maestro observava-a, sentindo o seu coração a ser dominado pela empatia que nutria pela pianista. Passou a mão pela nuca, remexendo nervosamente os seus dedos, enquanto procurava uma forma de deixá-la mais confortável após aquela conversa.

— Algo que aprendi depois de entrar neste mundo é que... Ser incrédulo deixa a vida mais cinzenta do que nós podemos imaginar. — Ele deu um ténue sorriso. — Só depois de conhecermos as cores do sonho é que sabemos o quão perdemos em sermos apenas cinzentos.

Ela assentiu lentamente a cabeça, enquanto assimilava as palavras de Ludwig.

— Achas?

— Experienciei com os meus próprios olhos. — Deu um passo na direção dela. — A minha reputação no mundo exterior não era exatamente ser dos maiores sonhadores e idealistas.

Os segundos passaram-se, e nenhum dos dois tiraram os olhos um do outro. Os lábios da pianista abriram-se e fecharam-se, hesitantes pela pergunta que a sua mente teimava em querer perguntar, lutando contra o seu instinto que a afastava de todas as pessoas, isolando-se do mundo. No entanto, o seu coração batia forte no seu peito, cada vez mais, a cada minuto que estava com ele. Queria conhecê-lo melhor, descobrir mais sobre aquela peculiar pessoa que ignorava todos os avisos e perigos acerca da misteriosa pianista, apenas para conhecer a verdadeira essência por trás daquela máscara. O seu medo lutava contra o seu coração, numa batalha que parecia ser sem fim.

Respirou fundo e deu um passo em direção do maestro, seguindo o seu teimoso coração e abriu os seus delicados lábios, perguntando com uma hesitante voz:

— Podes falar-me mais acerca do mundo exterior, Ludwig?

As íris negras emolduradas pelo olhar rasgado esbugalharam-se com aquela inesperada pergunta, especialmente vinda da boca da pianista. Um ténue sorriso surgiu no canto dos seus lábios e os seus olhos cintilaram, risonhos.

— Como desejar, senhorita. 

A Pianista dos Corações PerdidosOnde histórias criam vida. Descubra agora