Capítulo XX

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Os olhos avelanados de Mélodie observavam perdidos o quieto jardim, caminhando num lento e cansado passo. Era como se só o seu corpo estivesse presente ali e a sua mente num longínquo lugar, afogado pelos seus demasiados e pesados pensamentos. Até que, algo chamou à atenção ao seu olhar, perto do miradouro. Apressou ligeiramente o passo, com uma certa hesitação na sua mente. Ao se aproximar, as suas pupilas arregalaram-se quando se apercebeu o que havia avistado.

— Ludwig?

Ali estava ele, sentado sob a magnólia, com a cabeça encostada ao banco do jardim. O seu corpo estava mergulhado num sono profundo, rodeado por papeis cheios de rabiscos a tinta negra e com o seu aparo quase a cair dos seus dedos.

O olhar de Mélodie perdeu-se na beleza dele, sem conseguir desviar ou acordar daquela visão. A pele branca como a neve era iluminada pela fraca luz do trêmulo luar e das cintilantes estrelas, esculpindo o rosto dele delineado pelo maxilar definido, emoldurado pelos cabelos negros que caiam levemente numa franja. Os olhos rasgados transmitiam uma paz imperturbável, encantando-a de uma forma que não esperava. Aos olhos dela, parecia que tinha encontrado um príncipe encantado adormecido nos seus sonhos. O único som que se ouvia era a respiração calma dele.

A pianista sentia que tinha caído num encantamento, pois, quanto mais o admirava, mais o seu coração queria se aproximar dele. Sem pensar, inclinou-se e os seus dedos tocaram nos fios negros que caiam pela testa, afastando-os dos olhos dele.

Como tu provocas este efeito em mim, Ludwig?

Os olhos cor avelã fitaram os lábios dele, perfeitamente desenhados. Ela estava tão próxima deles, que quase podia os beijar. A sua mente gritava-lhe para se afastar e não se sentir abraçada pelas emoções, no entanto, o seu coração batia cada vez mais e mais forte, caindo no encanto do maestro.

Os seus lábios ficaram cada vez mais e mais perto dos dele, até que, pousaram neles. Uma onda de eletricidade e de arrepios deslizaram por todo o seu corpo, fazendo o seu coração se perder nas batidas com aquele suave toque dos lábios do maestro. Fechou os seus olhos, sentindo o calor a invadir o seu gélido coração, fazendo-a derreter-se com aquele suave toque.

Parecia que o tempo tinha parado naquele momento.

Mélodie sentia-se viva com aquele pequeno beijo.

A textura dos lábios dele a tocar os seus fazia-a sentir-se pela primeira vez humana, não uma marioneta.

Ao aperceber-se do turbilhão de emoções e de pensamentos que fervilhavam no seu corpo, desfez o beijo e afastou-se rapidamente dele, recuando vários passos. Ludwig remexeu-se no seu sono, fazendo o coração dela ter uma pontada de desespero. Sentindo o medo a apoderá-la, correu e escondeu-se por trás da magnólia, com a respiração ofegante a sair da sua boca e os seus olhos esbugalhados de espanto.

Ergueu a trêmula mão direita, pousando a ponta dos dedos nos lábios. O calor do toque em Ludwig ainda os aquecia, fazendo o seu coração palpitar enquanto a sua mente entendia o que provocara aquela emoção.

O que é que eu fiz?

Perdeu as forças no seu corpo, deixando-se encostar a cabeça e as costas no tronco da árvore, enquanto tentava controlar a sua respiração ofegante. No peito, laivos brilhantes de luz violeta irradiavam do seu coração. Pousou a mão esquerda nele, aflita, com os olhos esbugalhados de medo, amarfalhando o tecido do seu vestido com os dedos.

O que é que eu fiz?!

Rodou o rosto em todas as direções, sem os seus olhos estarem focados, imersos no ataque de pensamentos que bombardeavam a mente.

A Pianista dos Corações PerdidosOnde histórias criam vida. Descubra agora