Capítulo XIII

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Mélodie não atuou naquela noite.

Nas horas que passara no salão após o seu trabalho, aguardou pela sua música, acompanhado pelo seu habitual café vienense gelado. No entanto, à medida que a noite despedia-se dando lugar à alta madrugada, os sussurros cada vez agitavam-se mais entre os altos aristocratas que furiosamente insatisfeitos abandonavam aquele salão, deixando a Madame numa triste figura contrastante com a sua elegante aparência.

Os olhos atentos de Ludwig observavam cada pormenor e movimento daquele salão, irrequietos pela estranha ausência da pianista. A sua mente não parava de bombardear de perguntas, deixando o seu coração nas suas mãos, ansioso e receando por algo pior. Rapidamente verificou de novo quem servia no bar naquela noite. Era Jahan e os seus capangas que havia visto naquele encontro, mas nenhum nome lhe vinha à sua mente associados àqueles rostos.

Deu um gole no seu café, disfarçando o seu olhar que continuava a observar aquele balcão repleto de cavalheiros que gastavam fortunas com luxuosas bebidas. Ouvia alguns resmungares altos de alguns deles, já bêbados, a perguntarem pela angelical pianista, como também a perguntar questões indecentes acerca da sua beleza.

A sua mão fechou-se em punho, ao tentar conter o seu impulso de não dar um murro naqueles homens, praguejando nomes na sua língua materna, que nenhum conseguiria entender se proferisse em voz alta.

Até que, uma figura em particular chamou-se à atenção. Era a imediata de Jahan, Ekene, que caminhava na direção do balcão com um olhar fuzilante, que até assustou algum dos que estavam ali sentados. Acenou para o capitão e aparentaram estar a sussurrarem um ao outro, com expressões que lhe causaram um pouco de desconfiança, deixando-o ainda mais vigilante.

Mordeu o lábio, pousando a mão no queixo, à medida que o seu olhar ansioso analisava, tentando entender aquela situação.

No entanto, a resposta só viria após fechar aquele estabelecimento, após as duas badaladas do relógio. Ele subiu até ao primeiro andar e, silencioso, permaneceu à escuta, sentindo uma agitação tensa vinda do salão. Num leve e audível murmurar, escutou a Madame Edelgard a conversar com um homem que cuja voz era lhe familiar. Era de Yuki.

— O que aquela desnaturada se meteu? — Os olhos azuis transbordavam de fúria. — Diz-me, Yuki!

— Eu não sei... Madame. — Ele estava cabisbaixo, com o corpo rígido. — Ninguém a viu hoje.

— Diz-me algo que eu não saiba, Yuki. — Fuzilou-lhe com o olhar. — Esta noite foi um desastre para os nossos cofres, porque a maldita atração não apareceu.

— Tenho noção disso, Madame.

— Então se tem... — Deu um passo na sua direção, pousando a sua esbranquiçada mão em redor do pescoço dele. — Encontrem-na. — Com isto, aproximou os seus lábios perto do seu ouvido. — Ou senão, acabará como muitos outros.

— Sim, Madame. — O seu rosto estava inexpressivo.

— Ótimo. — Afastou-se, endireitando a sua postura. — Têm até ao cair da noite.

Aquela conversa foi seguida de passos que se desvaneceram até apenas restar silêncio. Ludwig finalmente deixou o ar sair da sua boca, da respiração que havia se recusado em existir naqueles breves, mas tensos minutos. Apesar da aparente paz, o coração pulava fortemente no seu peito ao escutar aquela secreta conversa. Afinal, as aparências não eram o que eram. Mas, ainda não tinha respostas suficientes, sentia que ainda estava na superfície de um iceberg no que tocava aos mistérios daquele lugar. Das ameaças de Edelgard, de tais figuras que haviam desaparecido nas mãos dela e de como ela própria exergava Mélodie como uma simples atração. Pensando naquele último ponto, a mão dele fechou-se em punho, sentindo revolta no seu coração.

Perdido, um pensamento saiu dos seus lábios num murmúrio:

— Eu tenho de encontrá-la, mas... Como? — Fechou os olhos, encostando a cabeça na parede, aflito. — Eu quero encontrá-la.

Ao proferir aquelas palavras, um peculiar cintilar tremelicou no breu das suas pálpebras fechadas. Hesitante, abriu os olhos e as suas íris negras ficaram arregaladas. Diante de si, estava um trilho de pó dourado que formava uma pauta musical repleto de semibreves, colcheias e pausas que caracterizavam as notas musicais, com uma majestosa clave de sol a marcar o seu início. Piscou os olhos, ainda acreditando que todo aquilo era uma miragem criada na sua mente. No entanto, ali ainda estava aquele trilho musical.

Incrédulo, ergueu o braço e tocou na clave de sol com a ponta dos seus dedos, sentindo cócegas do pó dourado que cintilava como pequenas estrelas.

— Mas... Como?

Sem dar tempo para o maestro raciocinar, o trilho começou a escapar dos seus dedos, fugidio. Os seus olhos arregalaram-se de desespero e começou a correr atrás das notas musicais. Desceu a escadaria e em rápidas passadas, adentrou-se pelo labirinto que ficou inundado de luz dourada. A sua mente estava em branco, apenas seguindo os seus instintos à medida que conhecia um novo caminho através aqueles infinitos corredores metálicos.

Quando o trilho musical virava uma esquina, o seu coração pulava no peito, temendo perder a sua bússola a meio da sua jornada.

— Espera por mim!

Acelerou ainda mais, correndo como quase nunca tinha corrido. A sua respiração ofegante e alta respiração ressoavam nas estreitas paredes, acompanhados pelo som dos seus passos frenéticos e firmes.

Aos poucos, os aspetos das paredes modificavam-se, não tendo só mecanismos dourados a as preencher, mas também, objetos metálicos em forma de cilindros, o que aparentavam aos olhos de Ludwig serem pinos de ajuste. Confuso com o destino até onde as notas musicais o estavam a levar, tentou concentrar-se apenas no trilho de pó dourado, que aos poucos ao fundo do corredor estava a parar, desvanecendo a sua luz.

Os seus olhos esbugalharam-se e os seus pés travaram bruscamente, parando diante de um beco sem saída. A pauta musical tinha-se totalmente desvanecido, restando apenas pequenos grãos de pó dourado que cintilavam como pirilampos em seu redor, oferecendo-lhe luz no meio daquela toda assombrosa escuridão.

Sentindo-se totalmente desorientado e perdido, olhou em todo o seu redor, apenas avistando uma única saída, o corredor por trás de si. O seu coração palpitava de ansiedade ao cair na realidade da estranha situação que se tinha colocado. Apesar disso, retornou a encarar a parede que tinha diante de si e estendeu a mão, tocando na superfície fria e metálica dos engenhos que preenchiam todo aquela estrutura. Os olhos rasgados pareciam atentos e minuciosos. A sua mente concentrava-se nas sensações que chegavam à ponta dos seus dedos, procurando qualquer falha ou pista que lhe tivesse escapado. Até que, um estranho relevo chamou à atenção do seu olhar, inclinando o seu tronco até ao nível da sua mão.

Estreitou os olhos, concentrado, quando se apercebeu da forma do objeto que estava a ser iluminado por um dos pirilampos dourados que estava perto da sua mão. Era o formato de uma fechadura, mas não de uma fechadura qualquer. Por cima, tinha uma clave de sol gravada em relevo, com um desenho parecido à da chave que possuía da sala de partituras.

Ludwig sem perder tempo, tateou as suas mãos nos bolsos do seu sobretudo, em busca do pequeno objeto. Soltou um longo suspirou quando finalmente sentiu a sensação fria do metal esculpido em chave. Retirou do bolso e observou por breves segundos o desenho da clave de sol, comparando-o com o da fechadura. É igual. Com o coração nas suas mãos, encaixou a chave na fechadura e rodou-a, fazendo um clique que fê-lo morder os lábios de nervosismo e a palma da sua mão transpirar.

Sem acontecer nada à estrutura, encarou hesitante para a mão que ainda continha a chave na fechadura, e, com a respiração suspensa, quase se recusando a sair dos pulmões com aquela tensão, encostou a lateral do seu corpo e empurrou a superfície metálica.

Uma porta secreta abriu-se. 

A Pianista dos Corações PerdidosOnde histórias criam vida. Descubra agora