Se você entrou aqui procurando poesia, eu sugiro gentilmente que se retire. Não há e não haverá nada de bonito nas palavras que se seguirem aqui. E especialmente pelo fato de que eu já não falo há um tempo. E você sabe, palavras guardadas amargam, apodrecem e entristecem qualquer um.
E é justamente por isso que eu estou colocando elas para fora. Cada uma delas.
Já faz um tempo que eu me sinto longe de mim, desconectada de quem eu era e de quem eu gostava de ser. Já faz um tempo que o meu reflexo no espelho me assombra e que eu não consigo me imaginar vivendo além do que eu já vivo.
Tal qual um peixe em sua redoma de vidro, tendo uma imensidão de oceano desconhecida mas sendo condenado a viver os mesmos dias, ver as mesmas coisas, nadar em círculos até que os músculos de suas barbatanas se atrofiem e que a depressão seja tanta que te faça querer bater com a cabeça bem forte nas paredes de vidro e morrer.
E eu disse que não teria poesia, não é?
Eu menti. Enfim.Pra todos os efeitos eu sou uma pessoa muito poética, fissurada pelo poder das palavras, pela vasta gama de possibilidades que elas oferecem. Ferir, enaltecer, humilhar, acalentar. Basta colocá-las no lugar certo, da maneira certa, para atingir exatamente aquilo que se almeja. Tolos são aqueles que fazem mal uso da palavra, se soubessem o poder que um bom vocabulário oferece...
Talvez eu não me sentisse tão medíocre assim.
Enfim.
Os dias tem sido arrastados, a obrigação e os deveres me afastam da necessidade de ficar o dia todo na cama, dormindo, em silêncio. Assim eu não sou obrigada a sorrir, a falar e fingir que algo nessa situação me satisfaz. Eu não me sinto satisfeita nem com o som da minha voz guiando os meus pensamentos. Eu só queria viver numa constante inércia, me transformar em um nada e desaparecer.
Sinto que não importa o que aconteça, eu nunca vou me sentir capaz de ser plenamente feliz.
Sempre – e eu repito –, sempre haverá algo que falta.
E eu já disse o quanto eu sou poética, não é?
Queria viver aquilo que escrevi nas minhas histórias, dramas familiares que se resolvem com abraço e perdão, amores tão intensos e com tantas surpresas, declarações sinceras, idas e vindas e um final tão fúnebre que fizesse qualquer um morrer de tanto chorar, descobertas interpessoais que me fizessem aceitar esse grande nada que eu sou ou só algo que me fizesse compreender o verdadeiro preço de todo o mal.
E porque ser gentil é tão, mas tão patético.
Eu sempre preferi os vilões, sempre me senti melhor quando me diziam o quão ruim eu poderia ser do que quando enalteciam o meu grande coração.
Nunca ganhei nada por ter um grande coração, mas sempre me satisfiz nas lágrimas daqueles que me feriram e no prazer de me certificar de que cada uma delas eram por minha causa.
E no fundo, acho que eu sinto falta de ser assim.
Olho por olho, dente por dente.De não agarrar todo o sofrimento do mundo pra mim para poder fazer você sorrir e, acima disso, ver você não se importar em ao menos fazer com que eu me sinta digna de estar aqui.
Eu já disse o quanto eu sou poética, não é?
Eu gosto de ser amada por inteiro e em tempo integral. De ouvir as palavras mais bonitas, de ser retratada em belas pinturas, de saber o meu lugar, de ser colocada no topo do mundo e apreciada por todos que me cercam. E poder dizer, por fim, a quem pertence essa inspiração.
Gosto do drama do quase fim, gosto das brigas acaloradas e com discussões que beiram o fim só pra me reconciliar outra vez e então recomeçar. Gosto de recomeços, eles não são difíceis pra mim.
Sempre foi muito fácil deixar tudo ir, e fazer tudo de novo, tirar só pra colocar no lugar outra vez, bagunçar para arrumar, fazer tudo de novo e de novo.
Não pense que seria difícil pra mim dessa vez. Cada final é um ponto de partida.
E por fim, eu só não me reconheço. Me olho no espelho e não vejo nada, absolutamente nada. E nem todos os recomeços do mundo vão fazer eu me reencontrar. Eu me perdi.
Me tiraram do meu posto, me colocaram abaixo e colocaram outras pessoas em meu lugar. Me cuspiram fora e me esconderam, me fizeram me sentir tão menos que ser eu, a esse ponto, dói.
Por fora, uma moça de personalidade forte, opiniões formadas, a que todos querem por perto e desejam, de alguma forma, possuir. Aquela que tem o rosto bonito e sabe disso, que usa de todos os atributos do seu eu que é singularmente único para atingir os seus objetivos, a que é, e somente é, e sabe disso.
Mas por dentro, uma incógnita, um vazio escuro e profundo que faz eco a cada pensamento fúnebre. Uma alma que precisa de constante afirmação pra se lembrar de quem era, que precisa repetir seu nome diversas e diversas vezes para não se esquecer de quem é.
Mas quem sou eu?
Onde foi que eu me perdi?
Por que eu já não me sinto mais?Antes era tudo vermelho, pulsante, intenso. Eu era e sabia disso.
Hoje eu fui, já não sei mais onde me escondi.
Já não me vejo mais, não me sinto mais, não me ouço mais, não falo mais.
Desapareci.
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O Amor de Um Escritor
PoetryApesar da solidão que me assola e da descomunal amargura que cresce dentre meus ossos, falar de amor ainda é algo que faço com maestria. Não como romancistas lunáticos e os jovens que acabaram de se encontrar com o doce gosto da paixão. Não, é claro...