Prólogo

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A cabana estava tão imunda quanto o interior de uma caverna, com poeira e teias de aranha em todos os cantos. O mar rugia do lado de fora, o vento assoprando contra as janelas velhas em uma mistura de sons e assobios brutais que somente a fúria da natureza era capaz de criar.

E, naquele momento, eu podia sentir a mesma fúria rugindo dentro de mim.

Tão feroz quanto as ondas que se chocavam contra os rochedos.

Tão devastadora quanto a tempestade que fazia a cabana estremecer.

Tão visceral quanto as batidas do meu coração despedaçado.

Encarei o pequeno pedaço de papel em minha mão, as palavras borradas pelas lágrimas e as gotas de chuva que pingavam do meu cabelo. Eu tentei permanecer firme, tentei lidar com a dor que atravessa meu corpo quase me colocando de joelhos, tentei manter as emoções enterradas dentro de mim junto com a vontade desesperadora de chorar.

Eu perdi essa batalha.

O fogo na lareira fornecia pouca iluminação, o que combinava muito bem com a atmosfera pesada e a sensação de morte sobre meus ombros. Pelo cantos dos olhos, vi as sombras dançarem contra a luz alaranjada das chamas ao mesmo tempo que os cantos mais escuros pareciam sussurrar o meu nome.

Com o inferno a um passo de distância, olhei para as palavras escritas no papel. Aquele pedaço seria a última migalha que a existência de Katherine O'Connell estaria deixando. Depois disso, eu seria nada além do fantasma de uma pecadora que passaria a vagar pelo mundo em busca de perdão.

E vingança.

Amassando a folha em um aperto furioso, joguei a bola de papel contra as chamas, alimentando o fogo com o que pareceu ser meu próprio coração sendo entregue como oferenda aos demônios que me davam boas-vindas.

Busquei algum conforto na noção de que meu pedido de desculpas tinha, de algum modo, existido em palavras que jamais seriam ditas, mas que preenchiam o espaço de uma vida que eu estava deixando para trás.

Como o brilho de uma faísca que desaparece assim que nasce, meu perdão existiu no mesmo instante em que minha morte foi anunciada.

As ondas do mar se chocaram com mais força contra os rochedos, o impacto fazendo a cabana estremecer em um último aviso.

Meu tempo havia acabado.

Inspirando profundamente, passei a mão pelo rosto para limpar as lágrimas e caminhei até a porta, cada passo aumentando a minha consciência de que tudo ao meu redor passou a se resumir ao adeus carbonizado de uma borboleta que perdeu as asas para o diabo.

Não me perdoe por ter te deixado.

Não me perdoe por ter quebrado o seu coração.

Não me perdoe por ter destruído a nossa história.

Não me perdoe por ter que fazê-lo acreditar que estou morta.

Porque eu nunca serei capaz de perdoar a mim mesma.

Adeus, Marco.

Para sempre sua farfalla,

Kate

BorboletaOnde histórias criam vida. Descubra agora