Capítulo 1

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Marco - 14 anos | Nova York

O sangue escorria pelo ralo.

Espalmei as mãos nos azulejos enquanto meus ferimentos eram lavados pela água quente. Eu sempre estive focado demais em ser merecedor dos negócios da minha família, para me importar com uma quantidade insignificante de sangue.

Principalmente sendo o meu.

Qualquer rei que desejasse usar uma coroa deveria ser capaz de suportar o seu peso, e no treinamento daquela manhã eu havia provado mais uma vez ao meu pai que estava determinado a seguir seus passos.

Eu carregava a responsabilidade de manter a honra, o orgulho e a força do nome Castellari, o primogênito do chefe de todos os chefes entre as cinco famílias da máfia italiana do país.

Por tradição, os jovens eram iniciados dentro da máfia aos quinze anos, explodindo os miolos de algum traidor, mas eu havia me tornado um homem feito aos dez por exigência do meu pai. E eu estava mais do que feliz em mostrar que segurar uma arma era tão natural para mim quanto segurar um garfo.

Terminando o banho, prendi uma toalha ao redor da cintura e passei a mão pela superfície embaçada do espelho. Várias contusões marcavam a extensão do meu corpo, um hematoma se formava ao redor do meu olho direito e meu lábio tinha um corte feio.

Pegando mais uma toalha para secar o cabelo, abri a porta do banheiro e saí envolto por uma nuvem de vapor. Tinha dado apenas um passo quando senti que não estava sozinho.

Contei mentalmente a quantos passos de distância estava a minha escrivaninha. Somando o tempo que eu levaria para abrir a gaveta, pegar a semiautomática e destravá-la, eu tinha menos de quatro segundos para me preparar. Meus ombros já estavam tensos, e meus pés, prontos para me colocarem em movimento quando uma risada fofa me acertou.

Olhei para o lugar de onde a risada tinha vindo e me deparei com as pontas de um par de sapatinhos vermelhos que a cortina não tinha escondido corretamente. A tensão desapareceu imediatamente, dando espaço para uma onda de amor que preencheu todos os espaços vazios do meu coração.

— Quem ousa invadir o meu quarto? — brinquei. A risadinha soou novamente. — Será que algum animal selvagem fugiu do zoológico e se escondeu aqui?

As cortinas balançaram em uma explosão de movimentos desengonçados. Os sapatinhos vermelhos se moveram em minha direção na velocidade de um tornado.

— Eu não sou um bicho do zoológico! — Alina exclamou, saltando sobre mim e enlaçando o meu pescoço. Normalmente, a força dela não me incomodaria, mas como eu tinha acabado de levar uma surra na sala de treinamento, o peso da minha irmã gerava um incômodo excruciante.

— Não sei, não — provoquei, segurando-a pela cintura e a colocando sentada na ponta da cama. — Você está cheirando como um bebê elefante.

— Estou usando o perfume da mamãe! — ela rebateu, sua mãozinha se fechando. Contive o soco com facilidade, minha mão acolhendo a dela completamente, como se estivesse segurando uma bola de tênis.

Alina tentou soltar sua mão da minha, sua boquinha rosada fazendo um biquinho revoltado. Ela usava um vestido novo, branco, com rosas bordadas e cheio de babados. Ela balançou os sapatos no ar, tentando me acertar de algum modo.

— O que você está fazendo aqui, Lina? — Tentei desviar sua atenção de me transformar em algum saco de pancadas. Minha irmã ergueu o queixo e apontou aquele nariz arrebitado para mim como se fosse uma criança de cinco anos muito madura.

— Papai pediu para trazer uma pomada.

Soltei sua mão e a vi enfiar os dedinhos em um bolso secreto do vestido, tirando um pote. O cheiro de arnica queimou o meu nariz.

— Você pode me ajudar a passar?

Se Alina se chocou com a visão dos vergões ou dos hematomas nas minhas costas, não demonstrou. Ela não estava alheia a tudo o que acontecia. Nossos pais se empenhavam para deixá-la de fora o máximo possível das tratativas mais violentas, mas nenhum dos dois iria protegê-la da realidade em que vivíamos.

Ela era uma Castellari, acima de tudo, herdaria boa parte de um império que se fortalecia diariamente com sonegações de impostos, cartéis de drogas, corrupção política, contrabando de armas, extorsão, casas noturnas e esquadrões da morte.

— Por que você apanha todos os dias? — Alina murmurou, passando os dedos sobre os meus ferimentos mais recentes.

— Eu não apanho! — rebati entre os dentes. — São marcas de treino. Estou aprendendo a ser um homem de verdade.

— Você sempre aparece com um roxo diferente. Mamãe explicou que é parte das suas lições diárias, mas não entendo por que você precisa sempre ficar machucado. Não dá para aprender alguma coisa nos livros de colorir? Eu aprendo muito com eles.

Eu queria abraçá-la e dizer que estava tudo bem, que a dor era passageira. Mas o nosso mundo não foi feito para consolos, abraços ou qualquer ato que subjugasse a nossa força. Até minha mãe, uma verdadeira italiana com um coração do tamanho do mundo, sabia se posicionar em uma mesa de negócios.

Porém algo dentro de mim ainda era fraco, um sentimento protetor e impulsivo que guiava os meus instintos para sempre colocar o meu corpo diante daqueles que eu amava. Segurei as mãos da minha irmã com toda gentileza e cuidado que ainda era capaz de oferecer.

— Apanho porque continuo errando — expliquei. — Mas terá uma hora que isso não vai mais acontecer e sairei do ginásio sem um único arranhão.

— Quando papai sai, ele nunca volta machucado — Alina comentou baixinho.

— É porque ele sabe cuidar de si mesmo.

— Então quando você parar de apanhar é porque vai ser tão forte quanto o papai e vai conseguir se proteger?

— Isso mesmo.

— E vai me proteger também?

— Sempre irei te proteger, Lina.

Eu não fazia promessas, sabia o poder delas e a facilidade com que podiam ser quebradas. Mas eu quis fazer aquela. Alina era minha irmã, minha família, a única coisa boa que as sombras do nosso mundo não tinham corrompido.

Ainda.

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