10 - O mau samaritano

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- Espere, o quê? - perguntou Filipe.

- Sim. Nós os dois íamos assaltar o shopping.

- Estamos a falar da pessoa que fez a denúncia de um crime? - inquiriu Paula.

- E que também ia assaltar o shopping. - disse Carlos, completando o discurso de Paula. - Sim, o Guilherme era uma pessoa que tinha a mania da contradição. Dizia que era amigo, mas era um hipócrita para muitas pessoas. Dizia que era ingénuo, mas desconfiava de tudo. Tudo o que ele dizia era o contrário do que fazia. Como se tivesse alguma doença que trocasse as palavras que queria dizer por antónimos. - Carlos parecia envergonhado. A sua cara redonda tinha as sobrancelhas com uma expressão que pareciam pedir perdão. A maior parte das palavras eram ditas com a mão esquerda a cobrir a cabeça, o que indicava que Carlos era canhoto. - Desculpem-me. Estou envergonhado. Ele morreu e eu só estou a falar mal dele. Mas a verdade é que ele também era boa pessoa. Eu estava sem casa, a andar pelas ruas sem dinheiro, com as roupas todas rasgadas, e ele perguntou-me se estava tudo bem. Foi a única pessoa que se preocupou comigo. Mas foi mesmo a única. Nem a minha família, nem os meus amigos. E comecei a viver com ele e ele preocupava-se comigo. Mas, de repente, tudo começou a descontrolar-se.

- Como assim? - perguntou Filipe.

- Bem, ele começou a ficar muito paranoico. Pensava que todos estavam contra ele e pediu-me para sair de lá de casa. Desculpe a pergunta, mas não tem analgésicos? - perguntou Carlos a Paula.

- Porquê? - perguntou Filipe.

- Bem, há alguns dias bati com o braço esquerdo e está a doer muito.

- Porque é que haveria de ter? - inquiriu Paula.

- A sua perna...

- Pois, mas não tenho. Posso me ter magoado mas não dói nada.

- Ok.

- Olhe, muito obrigado por ter vindo cá. Respondeu a muitas perguntas que tínhamos. - disse Filipe, levantando-se.

- Quer boleia para casa? - perguntou Paula. - Veio no carro da Polícia e a sua casa ainda fica um bocado longe...

- Muito obrigado, mas não é preciso. Eu vou de autocarro. - disse Carlos, levantando-se.

Todos saíram da sala. Carlos dirigiu-se para casa, enquanto que Filipe e Paula ficaram a falar:

- Achas que ele o matou?

- Até agora, não tenho informações para deduzir nada. Agora começa a parecer que o bom samaritano já não é tão bom. - disse Filipe. Paula voltou a falar, mas desta vez foi com outro tom:

- Meu Deus, estou esfomeada. Queres ir jantar? Conheço um sítio fantástico à beira da tua casa...

- Ok. Pode ser.

Os dois irmãos dirigiram-se para o restaurante. Lá, sentaram-se numa mesa de dois. Comeram sopa, entrada, prato principal e sobremesa. Afinal de contas, não tinham comido nada durante o dia tirando o pequeno-almoço. Enquanto comiam, falavam e comentavam o caso alegremente:

- Então, até agora, quem achas que matou Leonor Freitas e Guilherme Sinde?

- Bem, como já tinha dito, a pessoa que matou Guilherme Sinde conhecia-o, ou então também matou Leonor Freitas. Até agora temos alguns suspeitos, mas ainda não dá para perceber quem fez o quê exatamente.

- Concordo. - disse Paula, fazendo uma pausa para beber um gole do copo de vinho que tinha à frente. - Até nem sabemos se isto é alguma coisa maior...

- Como assim? - indagou Filipe.

- Não acho que seja uma coincidência o Assassino das Mil Caras estar a ser perseguido numa zona onde está o local de uma explosão que resultou na morte da primeira vítima e um tiroteio que resultou na morte da segunda vítima.

- Ok, é melhor começarmos a fazer um resumo do caso. Uma explosão ocorre e mata sabe-se lá quantas pessoas. - começou Filipe.

- Interrogas a menina da caixa e ela aponta-te três pessoas suspeitas: dois homens e uma mulher. Um desses homens era um informador, que na verdade é irmão da menina da caixa. Ele telefona-te a dizer que tem informações. Marcam um encontro, só que aí ele é morto. - continuou Paula. Foi a vez de Filipe:

- Descubro uma bala no meio do sangue, que mando para análise juntamente com a carteira, o telemóvel e os planos que encontrámos na casa da segunda vítima, onde descobrimos um outro suspeito.

- Basicamente não nos estamos a esquecer de nada... - disse Paula, acabando o resumo.

Um empregado chegou à beira da mesa dos irmãos e deu-lhes a conta. Após uma pequena discussão para determinar quem a iria pagar, Filipe deu as moedas necessários ao empregado e os dois irmãos saíram. Cada um foi para sua casa e os dois, depois de chegarem, adormeceram instantaneamente. Quando acordaram, tomaram o pequeno-almoço e foram diretamente para a esquadra, onde o técnico relatou os resultados das impressões digitais da bomba e das letras codificadas.

- Ainda bem que vos encontro. Consegui descodificar o código e já sei a quem pertencem as impressões digitais na bomba.

- Antes de mais, o que é que as letras codificadas diziam? - perguntou Filipe.

- Diziam "Não dá para deixá-lo sair vivo. Funciona mal em todos os cenários. Vamos ter que matar o segurança".

- Credo! - exclamou Paula.

- E nunca vão imaginar a quem as impressões digitais na bomba pertencem...

- A quem? - perguntou Filipe, ao que o técnico forense respondeu:

- A nem mais nem menos do que a Guilherme Sinde.

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