O
professor Gabriel Emerson estava sentado na cama, nu, lendo o jornal
florentino La Nazione. Havia acordado cedo na cobertura Palazzo Vecchio do
Gallery Hotel Art e pedira o serviço de quarto, mas não conseguiu resistir à
tentação de voltar para a cama e ficar observando a jovem dormir. Ela
estava deitada de lado, virada para ele, respirando de modo suave. Um
diamante brilhava em sua orelha, suas faces estavam rosadas por causa do
calor. O sol entrava pelas janelas panorâmicas, iluminando a cama.
As cobertas, deliciosamente amarrotadas, recendiam a sexo e sândalo.
Seus olhos azuis brilharam, explorando-a sem pressa, a pele exposta, os
cabelos longos e negros. Quando tornou a voltar sua atenção para o jornal,
ela se mexeu um pouco e gemeu. Preocupado, ele atirou o jornal de lado.
Ela puxou os joelhos para junto do peito, enroscando-se na cama.
Murmúrios escaparam de seus lábios e Gabriel se inclinou para mais perto,
tentando decifrar o que ela dizia. Mas não conseguiu.
De repente, seu corpo se contorceu e ela deu um grito de cortar o
coração. Seus braços se debateram, lutando com o lençol que a cobria.
– Julianne?
Ele pousou de leve a mão sobre seu ombro nu, mas ela se encolheu ao
toque.
Começou a balbuciar o nome dele repetidamente, o tom de voz cada vez
mais apavorado.
– Julia, estou aqui – disse ele, elevando a voz.
No instante em que tornou a estender a mão para tocá-la, ela se sentou
na cama com as costas eretas, ofegante.
– Você está bem?
Gabriel se aproximou, resistindo ao impulso de tocá-la. Ela respirava
com dificuldade e, sob o olhar vigilante dele, cobriu os olhos com a mão
trêmula.
– Julia?
Após um longo minuto de tensão, ela o encarou de olhos arregalados.
Ele fechou a cara.
– O que houve?
Ela engoliu em seco.
– Um pesadelo.
– Sobre o quê?
– Eu estava no bosque atrás da casa dos seus pais, em Selinsgrove.
As sobrancelhas de Gabriel se uniram atrás dos óculos de armação
preta.
– Por que você sonharia com isso?
Ela respirou fundo, cobrindo os seios com o lençol e levando-o até o
queixo. A coberta, volumosa e branca, engoliu suas formas delicadas antes
de ondular como uma nuvem por sobre o colchão. Aos olhos dele, ela
parecia uma estátua ateniense.
Ele correu os dedos com carinho por sua pele.
– Julianne, fale comigo.
Ela se contorceu sob o seu olhar penetrante, mas ele se recusou a soltá-
la.
– O sonho começou muito bonito. Nós fizemos amor à luz das estrelas
e eu adormeci em seus braços. Mas, quando acordei, você tinha sumido.
– Está me dizendo que sonhou que fiz amor com você e depois a
abandonei? – A voz dele ficou mais fria para disfarçar seu desconforto.
– Eu já acordei no pomar sem você antes – disse ela a meia voz, em
tom de censura.
O fogo de Gabriel se apagou na mesma hora. Ele pensou naquela noite
mágica seis anos antes, quando eles se conheceram e apenas conversaram
e ficaram abraçados. Ele havia acordado na manhã seguinte e fora embora,
deixando sozinha uma adolescente adormecida. A ansiedade dela era
compreensível e até comovente.
Um a um, Gabriel abriu e beijou os dedos cerrados dela, arrependido.
– Eu amo você, Beatriz. Não vou abandoná-la. Você sabe disso, não
sabe?
– Doeria muito mais perder você agora.
Franzindo a testa, ele passou um braço em volta dela, pressionando seu
rosto contra o peito. Uma enxurrada de lembranças lhe invadiu a mente
enquanto ele pensava nos acontecimentos da noite anterior. Tinha visto
Julia nua pela primeira vez e a iniciara nas intimidades do sexo. Ela
compartilhara sua inocência com ele, que acreditava tê-la feito feliz. Sem
dúvida havia sido uma das melhores noites da sua vida. Ele refletiu sobre isso por alguns instantes.
– Você se arrepende da noite passada? – perguntou.
– Não. Estou feliz que você tenha sido o primeiro. Foi o que eu sempre
quis, desde que nos conhecemos.
Ele pousou a mão no rosto dela, acariciando sua pele com o polegar.
– É uma honra ter sido o seu primeiro. – Ele se inclinou para a frente,
seu olhar fixo. – Mas também quero ser o último.
Ela sorriu e levou os lábios ao encontro dos dele. Porém, antes que
Gabriel pudesse abraçá-la, as badaladas do Big Ben ecoaram pelo quarto.
– Deixe isso para lá – sussurrou ele, irritado, esticando o corpo sobre o
dela e obrigando-a a se deitar.
Ela lançou um olhar por sobre o ombro dele, em direção ao iPhone que
tocava em cima da mesa.
– Achei que ela não fosse mais ligar para você.
– Não vou atender, então não tem importância. – Ele se ajoelhou entre
as pernas dela e a descobriu. – Na minha cama, só existimos nós dois.
Ela perscrutou os olhos dele enquanto Gabriel colava seu corpo nu ao
dela.
Ele se inclinou para a frente a fim de beijá-la, mas ela virou a cabeça.
– Ainda não escovei os dentes.
– Não me importo.
Ele baixou os lábios até seu pescoço, beijando-o e sentindo sua pulsação
acelerada.
– Prefiro fazer a toalete antes.
Ele bufou, frustrado, e se apoiou num dos cotovelos.
– Não deixe Paulina estragar as coisas entre nós.
– Não vou deixar.
Ela tentou rolar de baixo dele e levar o lençol, mas Gabriel o agarrou.
Olhou para Julia por sobre a armação dos óculos, os olhos faiscando de
malícia.
– Preciso do lençol para fazer a cama.
Os olhos de Julia se desviaram do tecido branco preso entre os dedos
dele e foram até seu rosto. Gabriel parecia uma pantera prestes a atacar.
Ela lançou um olhar para a pilha de roupas no chão. Estavam fora do seu
alcance.
– Qual o problema? – perguntou ele, contendo um sorriso.
Julia ficou vermelha e segurou o lençol com mais força. Com uma
risadinha, Gabriel o soltou e a puxou para seus braços.
– Não precisa ser tímida. Você é linda. Se eu pudesse escolher, você
nunca mais se vestiria.
Gabriel pressionou os lábios no lóbulo da orelha dela, roçando o brinco de
diamante. Estava seguro de que Grace, sua mãe adotiva, teria ficado feliz
em saber que Julia recebera seus brincos. Com outro beijo suave, ele se
virou, sentando-se na beirada da cama.
Ela correu para o banheiro, mas não antes de Gabriel conseguir ter um
vislumbre de seu traseiro encantador quando ela largou o lençol,
imediatamente antes de cruzar a porta.
Enquanto escovava os dentes, ela pensou no que havia acontecido. Fazer
amor com Gabriel tinha sido uma experiência muito intensa, e seu coração
ainda estava abalado. O que não era nenhuma surpresa, levando-se em
conta a história dos dois. Ela o desejava desde os 17 anos, quando haviam
passado uma noite inocente juntos num pomar, mas, ao acordar na manhã
seguinte, ele tinha desaparecido. Como estava bêbado e drogado quando
tudo aconteceu, Gabriel havia se esquecido dela. Julia só voltou a vê-lo
depois de seis longos anos, mas ainda assim ele não se lembrou dela de
imediato.
Quando o reencontrou, no primeiro dia do curso que Gabriel ministrava
na pós-graduação da Universidade de Toronto, ele lhe pareceu atraente
porém frio, como uma estrela distante. Na época, não acreditava que
pudessem se tornar amantes. Achava impossível que o professor
temperamental e arrogante correspondesse a seu afeto.
Havia muitas coisas que ela não sabia. O sexo era uma forma de
conhecimento, e agora ela sentia uma pontada de ciúme que nunca havia
experimentado. A simples ideia de que Gabriel havia feito com outra mulher
(no caso dele, com muitas outras) o que fizera com ela lhe dava um aperto
no peito.
Ela sabia que os encontros de Gabriel eram diferentes do que eles
haviam compartilhado – aventuras que nada tinham a ver com amor ou
afeto. Mas ele despira aquelas mulheres, vira-as nuas e as penetrara.
Quantas delas não desejaram mais depois de terem estado com ele?
Paulina havia desejado. Ela e Gabriel tinham mantido contato ao longo dos anos, desde que perderam o bebê deles.
A nova maneira de Julia encarar o sexo mudou sua compreensão do
passado dele e a tornou mais solidária com o drama de Paulina. E ainda
mais precavida contra perder Gabriel para ela ou para qualquer outra
mulher.
Sentindo-se invadida por uma onda de insegurança, Julia se agarrou a
uma das pias do banheiro. Gabriel a amava, ela acreditava nisso. Mas
também era um cavalheiro e por isso jamais revelaria que a relação deles o
deixara insatisfeito. E quanto ao seu próprio comportamento? Ela havia feito
perguntas e falado em momentos nos quais imaginava que a maioria das
amantes teria ficado calada. Tinha feito muito pouco para agradá-lo e,
quando tentou, ele a impedira.
Julia voltou a ouvir as palavras do seu ex-namorado, girando em sua
mente como gritos de condenação:
Você é frígida. Vai ser péssima de cama.
Ela deu as costas para o espelho, refletindo sobre o que poderia
acontecer se Gabriel estivesse insatisfeito com ela. O espectro da traição
mostrou sua cabeça maléfica, trazendo consigo visões de quando ela
encontrou Simon na cama com sua colega de quarto.
Ela empertigou os ombros. Estava confiante de que, se convencesse
Gabriel a ser paciente e ensiná-la, poderia dar prazer a ele. Gabriel a amava
e lhe daria uma chance. Ela pertencia a ele, como se seu nome estivesse
gravado a ferro e fogo na pele dela.
Quando saiu do banheiro, ela o viu através da porta aberta do terraço.
No caminho, se distraiu com um belo vaso de flores roxo-escuras e lírios
mais claros, matizados, em cima da mesa. Alguns amantes teriam
comprado rosas vermelhas de caules longos, mas Gabriel, não.
Ela abriu o cartão que estava aninhado entre as flores.
Minha querida Julianne,
Obrigado pelo seu inestimável presente.
A única coisa que tenho de valor é o meu coração.
Ele é seu,
Gabriel.
Julia releu o cartão duas vezes, seu coração inflando de amor e alívio.
As palavras de Gabriel não pareciam as de um homem insatisfeito ou
frustrado. Quaisquer que fossem suas aflições, Gabriel não parecia compartilhar delas.
Ele estava tomando sol no futon, sem os óculos, com o peito exposto.
Com seu corpo musculoso, de quase 1,90 metro de altura, era como se o
próprio Apolo tivesse se dignado a lhe fazer uma visita. Notando sua
presença no terraço, ele abriu os olhos e deu um tapinha no próprio colo.
Julia se juntou a ele, que a abraçou e beijou apaixonadamente.
– Ora, ora. Olá – murmurou ele, afastando do rosto dela um cacho solto.
Ele a analisou com atenção. – Qual é o problema?
– Nada. Obrigada pelas flores. São lindas.
Ele roçou os lábios nos dela.
– Não tem de quê. Você parece preocupada. É por causa de Paulina?
– Estou chateada por ela ligar para você, mas não é isso. – O rosto de
Julia se iluminou. – Obrigada pelo cartão. Ele diz o que eu precisava
desesperadamente ouvir.
– Fico feliz. – Ele a abraçou mais apertado. – O que está incomodando
você?
Julia remexeu no cinto do roupão por alguns instantes, até que Gabriel
pegou a mão dela. Ela o encarou.
– A noite de ontem foi o que você esperava?
Gabriel expirou com força, surpreso com a pergunta.
– Por que isso?
– Sei que deveria ter sido diferente para você. Eu não fui muito... ativa.
– Ativa? Do que você está falando?
– Não fiz muita coisa para lhe dar prazer. – Ela ficou vermelha.
Ele acariciou sua pele de leve com a ponta de um dedo.
– Você me deu muito prazer. Sei que estava nervosa, mas desfrutei
imensamente de tudo. Pertencemos um ao outro agora, em todos os
sentidos. O que mais a está perturbando?
– Exigi que trocássemos de posição quando você preferia que eu ficasse
por cima.
– Você não exigiu nada, você pediu. Para ser sincero, Julianne, eu
gostaria de ouvi-la exigir coisas de mim. Quero saber que você me deseja
tão loucamente quanto eu a desejo. – A expressão de Gabriel relaxou e ele
desenhou círculos em volta dos seios dela. – Você sonhava que nossa primeira vez fosse de uma determinada maneira. Eu quis lhe dar isso, mas
estava preocupado. E se você se sentisse desconfortável? E se eu não
fosse cuidadoso o suficiente? A noite passada foi uma primeira vez para
mim também.
Ele a soltou, serviu café e leite vaporizado de duas jarras separadas
numa xícara para preparar um latte e pousou a bandeja de comida na
banqueta entre os dois. Havia folhados e frutas, torradas e Nutella, ovos
cozidos e queijo, vários Baci Perugina que Gabriel havia subornado um
funcionário do hotel para que fosse comprar, além do extravagante buquê
de lírios do Giardino dell’Iris.
Julia desembrulhou um dos Baci e o comeu, fechando os olhos de prazer.
– Você pediu um banquete – comentou.
– Acordei faminto hoje. Teria esperado você, mas... – Ele balançou a
cabeça enquanto pegava uma uva e a encarava com um olhar faiscante. –
Abra a boca.
Julia obedeceu e ele pôs delicadamente a uva, correndo o dedo de forma
tentadora por seu lábio inferior.
– Você precisa beber isto, por favor.
Ele lhe entregou uma taça de suco de cranberry com água tônica.
Ela revirou os olhos.
– Você é superprotetor.
Ele balançou a cabeça.
– É assim que um homem se comporta quando está apaixonado e quer
que sua amada fique bem-disposta para todo o sexo que planeja fazer com
ela.
Ele lhe deu uma piscadela convencida.
– Não vou perguntar como você sabe sobre esse tipo de coisa. Dê isso
aqui.
Ela pegou a taça da mão dele e bebeu o suco, os olhos fixos nos de
Gabriel, que ria.
– Você é adorável.
Ela lhe mostrou a língua antes de montar um prato de café da manhã.
– Como está se sentindo hoje? – perguntou Gabriel com ar de
preocupação.
Ela comeu um pedaço de queijo Fontina.
– Bem.
Ele apertou os lábios com força, como se a resposta dela o
desagradasse.
– Fazer amor muda as coisas entre um homem e uma mulher – disse
ele, instigando-a.
Ela perdeu a cor na mesma hora.
– Hum... você não está feliz com o que nós fizemos?
– É claro que estou. Quero descobrir se você está. E, pelo que me disse
até o momento, estou preocupado que não esteja.
Julia brincou com o tecido do seu roupão, evitando o olhar perscrutador
de Gabriel.
– Quando eu estava na faculdade, as garotas que moravam no meu
andar costumavam se juntar para falar dos namorados. Uma noite,
contaram histórias sobre a primeira vez delas. – Ela mordiscou a ponta de
um dos seus dedos. – Poucas tinham coisas boas a dizer. A maioria das
histórias era terrível. Uma tinha sofrido abuso sexual quando criança.
Outras haviam sido forçadas pelo namorado ou pelo cara com quem
estavam saindo. Várias disseram que a primeira vez tinha sido desastrosa
e decepcionante: um namorado gemendo e terminando rápido demais. Eu
pensava que, se isso era o máximo que poderia esperar, seria melhor
continuar virgem.
– Que coisa horrível.
Ela ficou olhando fixamente para a bandeja de café.
– Eu queria ser amada. Decidi que seria melhor ter uma relação casta,
afetuosa e intelectual, por meio de cartas, do que um relacionamento
sexual. Tinha minhas dúvidas se algum dia encontraria alguém capaz de me
dar as duas coisas. Simon certamente não me amava. E, agora que estou
numa relação com um deus do sexo, não posso lhe oferecer nada parecido
com o prazer que ele me dá.
Gabriel arqueou as sobrancelhas.
– Deus do sexo? Não é a primeira vez que você diz isso, mas, acredite,
não sou...
Ela o interrompeu, olhando bem fundo nos seus olhos:
– Por favor, me ensine. Tenho certeza de que a noite de ontem não foi tão, hum... satisfatória quanto costuma ser para você, mas prometo que, se
tiver paciência comigo, irei melhorar.
Ele praguejou disfarçadamente.
– Venha cá.
Gabriel a puxou, fazendo-a contornar a bandeja, e tornou a sentá-la em
seu colo, envolvendo-a com os braços. Ficou calado por alguns instantes
antes de suspirar com força.
– Você acha que as minhas relações anteriores foram totalmente
satisfatórias, mas está enganada. Você me deu algo que eu nunca tive:
amor e sexo juntos. Foi minha única amante no verdadeiro sentido da
palavra.
Ele a beijou com carinho, como se confirmasse de forma solene o que
dizia.
– A expectativa e os encantos de uma mulher são cruciais para a
experiência. Posso dizer sem medo que nunca tive nada parecido com os
seus encantos e nunca experimentei tamanha expectativa. Acrescente a
isso a experiência de fazer amor pela primeira vez... Faltam-me palavras.
Ela assentiu, mas algo no seu gesto o inquietou.
– Juro que não estou bajulando você. – Ele fez uma pausa, como se
ponderasse bem o que diria em seguida. – Sob o risco de parecer um
Neandertal, talvez eu deva lhe dizer que sua inocência é extremamente
erótica. A ideia de que eu possa ser o homem que irá lhe ensinar sobre
sexo... de que alguém tão recatada seja também tão passional... – Ele
deixou a frase no ar, encarando-a com um olhar intenso. – Você poderia se
tornar mais habilidosa na arte do amor se aprendesse novos truques e
novas posições, mas não pode se tornar mais atraente ou mais
sexualmente satisfatória. Não para mim.
Julia se inclinou para a frente e o beijou.
– Obrigada por cuidar tão bem de mim ontem à noite – sussurrou ela,
corando.
– Quanto a Paulina, deixe que eu me preocupe com ela. Por favor,
esqueça que ela existe.
Julia voltou sua atenção para o seu café da manhã intocado, resistindo
ao impulso de discutir com ele.
– Não quer me contar sobre a sua primeira vez?
– Acho melhor não.
Ela se ocupou com um folhado enquanto tentava pensar num assunto
mais seguro. As agruras financeiras da Europa logo lhe vieram à mente.
Ele esfregou os olhos com as mãos, cobrindo-os por alguns instantes.
Sabia que seria muito fácil mentir, mas, depois de tudo o que Julia lhe dera,
ela merecia conhecer seus segredos.
– Você se lembra de Jamie Roberts?
– Claro.
Gabriel baixou as mãos.
– Foi com ela que perdi a virgindade.
Julia arqueou as sobrancelhas. Jamais gostara de Jamie e de sua mãe
controladora, que nunca tinham sido muito simpáticas com ela. Nem
imaginava que a agente Roberts, que tinha investigado a agressão de Simon
contra ela um mês antes, pudesse ter sido a primeira mulher de Gabriel.
– Não foi a melhor experiência do mundo – falou ele, baixinho. – Na
verdade, diria que foi até traumatizante. Eu não a amava. Havia certa
atração, é claro, mas nenhum afeto verdadeiro. Nós estudamos juntos no
ensino médio. Um belo dia, ela se sentou do meu lado na aula de história. –
Gabriel deu de ombros. – Começamos a flertar e a dar uns amassos depois
da escola e, com o passar do tempo... – Gabriel fez uma pausa antes de
prosseguir: – Jamie era virgem, mas mentiu sobre isso. Não fui nada
cuidadoso com ela. Fui egoísta e estúpido. – Ele praguejou. – Ela disse que
não tinha machucado muito, mas vi sangue depois. Fiquei me sentindo um
animal e me arrependi para sempre do que havia acontecido. – Gabriel se
encolheu e Julia sentiu a culpa irradiar do seu corpo. Sua descrição dos
fatos quase lhe embrulhou o estômago, mas também explicava muita coisa.
– Que terrível. Sinto muito. – Ela apertou sua mão. – É por isso que
estava tão preocupado ontem à noite?
Ele assentiu.
– Ela enganou você – disse Julia.
– Meu comportamento foi indesculpável, mesmo depois. – Ele pigarreou.
– Ela achou que tivéssemos um relacionamento, mas eu não estava
interessado. O que só piorou as coisas, é claro. Eu evoluí de um simples
animal para um animal babaca. Fazia anos que eu não falava com ela.
Quando a encontrei, no Dia de Ação de Graças, pedi que me perdoasse. Ela
foi extremamente gentil. Sempre me senti culpado por tê-la tratado mal.
Mantive distância de virgens desde então. – Ele engoliu em seco. – Até
ontem à noite. Primeiras vezes deveriam ser doces, mas quase nunca são.
Enquanto você estava preocupada em me dar prazer, eu estava preocupado
em lhe dar prazer também. Talvez tenha sido cauteloso demais,
superprotetor, mas nunca me perdoaria se machucasse você.
Julia deixou o café da manhã de lado e acariciou o rosto dele.
– Você foi muito gentil e generoso. Nunca senti tanta alegria na vida, e
isso porque você me amou não apenas com o seu corpo. Obrigada.
Como se quisesse provar que ela estava certa, Gabriel a beijou com
intensidade. Julia gemeu quando as mãos dele se emaranharam em seus
cabelos. Ela passou os braços em volta do pescoço dele. Gabriel deslizou as
mãos entre seus corpos até a parte da frente do roupão dela, abrindo-o
com hesitação. Ele ergueu a cabeça, uma pergunta em seus olhos.
Ela assentiu.
Ele começou a beijar de leve seu pescoço e subiu para puxar o lóbulo da
sua orelha com a boca.
– Como está se sentindo?
– Ótima – sussurrou ela enquanto os lábios de Gabriel deslizavam por
seu pescoço.
Ele se moveu para que pudesse ver o rosto dela, deslizando uma das
mãos até descansar sobre a parte de baixo do seu abdome.
– Está doendo?
– Um pouco.
– Então é melhor esperarmos.
– Não!
Ele riu, seus lábios se abrindo no sorriso sedutor característico.
– Ontem à noite você estava falando sério quando disse que queria fazer
amor aqui fora?
Ela estremeceu diante da maneira como a voz dele a incendiava, mas
retribuiu o sorriso, enroscando os dedos pelos seus cabelos e puxando-o
para mais perto. Gabriel abriu o roupão dela e começou a explorar suas
curvas com as duas mãos antes de descer a boca para beijar seus seios.
– Você ficou tímida comigo hoje de manhã. – Ele plantou um beijo
reverente na altura do coração dela. – O que mudou?
Julia esfregou o rosto na pequena covinha no queixo dele.
– Acho que sempre vou ficar um pouco encabulada por estar nua. Mas quero você. Quero que olhe nos meus olhos e diga que me ama enquanto se
move dentro de mim. Vou me lembrar disso até o dia em que eu morrer.
– Eu não vou deixá-la esquecer – sussurrou ele.
Ele a despiu e a deitou de costas.
– Está com frio?
– Não nos seus braços – sussurrou ela, sorrindo. – Não prefere que eu
fique em cima? Gostaria de experimentar.
Ele arrancou seu próprio roupão e a cueca samba-canção e cobriu o
corpo de Julia com o seu, pousando as mãos em suas faces.
– Alguém lá fora poderia ver você, querida. E isso seria inaceitável. Só
eu posso ver este corpo lindo. Embora os vizinhos e passantes talvez
consigam ouvi-la... pela próxima hora, mais ou menos... – Ele deu uma
risadinha, enquanto ela respirava fundo, um tremor de prazer descendo até
os dedos dos seus pés.
Ele a beijou, afastando os cabelos do seu rosto.
– Meu objetivo é ver quantas vezes consigo satisfazê-la antes de não
poder mais me conter.
Ela sorriu.
– Isso me parece muito bom.
– Também acho. Então, deixe-me ouvir você.
O céu azul ruborizou-se diante de tamanha paixão, enquanto, lá no alto,
o sol florentino sorria, aquecendo os amantes apesar da brisa suave. Ao
lado deles, o café com leite de Julia ficou frio e aborrecido por ter sido
tratado com tamanho desdém.
Após um breve cochilo, Julia pegou o MacBook de Gabriel emprestado a
fim de enviar um e-mail para o pai. Havia duas mensagens importantes na
sua caixa de entrada. A primeira era de Rachel.
Jules!
Tudo bem? Meu irmão está se comportando? Você já dormiu com
ele? Sim, essa é uma pergunta TOTALMENTE indiscreta, mas a verdade
é que, se estivesse saindo com qualquer outra pessoa, você me contaria.
Não vou lhe dar nenhum conselho. Estou tentando não pensar muito no assunto. Só me diga que está feliz e que ele a trata bem.
Aaron está mandando um abraço.
Bjs,
Rachel.
P.S.: Scott está de namorada nova. Ele tem feito muito segredo,
então não sei há quanto tempo eles estão juntos. Vivo enchendo o saco
dele para me apresentar a garota, mas ele se recusa.
Talvez ela seja professora.
Julia deu uma risadinha, feliz por Gabriel estar no banho e não lendo por
cima de seu ombro. Ele ficaria incomodado ao ver a irmã fazendo perguntas
tão pessoais. Ela pensou por alguns instantes antes de começar a digitar a
resposta.
Oi, Rachel.
O hotel é lindo. Gabriel tem sido um doce. Ele me deu os brincos de
diamantes da sua mãe. Você sabia disso?
Estou me sentindo culpada, então, se isso incomodar você de alguma
forma, por favor, me avise.
Quanto à sua outra pergunta, sim. Gabriel me trata muito bem e
estou MUITO feliz.
Dê um abraço em Aaron por mim. Espero ansiosamente pelo Natal.
Bjs,
Julia.
P.S.: Espero que a namorada de Scott seja mesmo professora. Gabriel
vai encher o saco dele.
O segundo e-mail era de Paul. Dava para ver que ele estava sofrendo por
Julia, mas também se sentia grato pelo fato de os dois continuarem
amigos. Ele preferiria guardar seus sentimentos a perdê-la por completo. E
tinha que admitir que, desde que começara a namorar esse tal de Owen,
sua pele estava incrível.
(Não que ele fosse comentar isso, claro.)
Oi, Julia.
Desculpe não ter conseguido me despedir antes de você ir para casa.
Espero que tenha um bom Natal. Tenho um presente para você. Pode me
dar seu endereço na Pensilvânia para eu enviá-lo?
Estou de volta à fazenda, tentando encontrar tempo para trabalhar na
minha tese em meio a reuniões cheias de parentes e às tarefas para
ajudar meu pai, que me obrigam a acordar muito cedo. Digo apenas que
a minha rotina diária envolve bastante esterco...
Posso levar algo de Vermont para você?
Uma Holstein, talvez?
Feliz Natal,
Paul.
P.S.: Soube que Emerson aceitou a proposta de tese de Christa
Peterson?
Parece que o Natal é mesmo uma época de milagres.
Julia ficou olhando para a tela do computador, lendo e relendo o P.S. de
Paul. Não sabia bem como interpretá-lo. Talvez, pensou, Gabriel tivesse
aceitado a proposta de Christa porque ela o ameaçou.
Julia não queria trazer à tona um assunto tão desagradável durante as
férias deles, mas aquela notícia a perturbou. Ela escreveu uma breve
resposta para Paul, dando-lhe seu endereço. Em seguida mandou um e-mail
para o pai, dizendo-lhe que Gabriel a estava tratando como se fosse uma
princesa. Depois fechou o laptop e suspirou.
Ouviu a voz de Gabriel atrás de si:
– Isso não me parece uma Julianne feliz.
– Acho que vou ignorar minha caixa de e-mails até o fim da viagem.
– Boa ideia.
Julia se virou e o viu parado diante dela, ainda molhado, com o cabelo
despenteado e uma toalha branca enrolada nos quadris. – Você é lindo – disse ela sem pensar.
Gabriel riu e a puxou, fazendo com que ela se levantasse, para abraçá-la.
– Você tem uma queda por homens de toalha, Srta. Mitchell?
– Talvez por um homem em especial.
– Você está bem? – Ele ergueu as sobrancelhas, ansioso, com uma
expressão voraz no rosto.
– Estou sentindo um pouco de desconforto, mas valeu a pena.
Ele estreitou os olhos.
– Precisa me avisar quando eu estiver machucando você, Julianne. Não
esconda as coisas de mim.
Ela revirou os olhos.
– Gabriel, você não me machucou. É só um pequeno desconforto. Nem
notei durante, porque tinha outras coisas na cabeça: várias coisas. Você me
distraiu, e muito.
Ele sorriu e beijou ruidosamente seu pescoço.
– Você precisa começar a me deixar distrair você no chuveiro. Estou
cansado de tomar banho sozinho.
– Parece uma ótima ideia. E você, como está?
Ele fingiu pensar na pergunta.
– Deixe-me ver, sexo quente e barulhento com minha amada entre
quatro paredes e ao ar livre... É, eu diria que estou ótimo.
Gabriel lhe deu um abraço apertado e o tecido de algodão da blusa de
Julia absorveu algumas das gotas na pele dele.
– Prometo que não vai ser sempre desconfortável. Com o tempo, seu
corpo vai passar a me reconhecer.
– Ele já reconhece. E sente sua falta – sussurrou ela.
Gabriel afastou a parte de cima do roupão dela e beijou seu ombro.
Depois de abraçá-la com carinho, ele foi até a cama, pegou um frasco de
ibuprofeno e o entregou a ela.
– Tenho que ir até a Galleria degli Uffizi para uma reunião, depois vou
buscar meu terno novo no alfaiate. – Ele pareceu preocupado. – Você se
importa de comprar seu vestido sozinha? Eu iria com você, mas, por causa
dessa reunião, não terei muito tempo livre...
– Nem um pouco.
– Se conseguir se arrumar em meia hora, podemos sair juntos.
Julia seguiu Gabriel até o banheiro. Já havia esquecido qualquer
pensamento sobre Christa e Paul.
Depois do banho, ela parou para secar os cabelos diante de uma das pias
do banheiro, enquanto Gabriel se barbeava na outra. Ela se surpreendeu
olhando para ele, observando-o fazer seus preparativos para se barbear com
uma precisão militar. Por fim, desistiu de passar batom e apenas ficou
recostada na pia, assistindo.
Ele continuava nu até a cintura, a toalha bem baixa nos quadris. Seus
olhos azuis brilhantes, muito concentrados, se estreitavam por trás dos
óculos de armação preta e seu cabelo úmido estava penteado de forma
impecável.
Julia conteve uma risada diante de sua obsessão pela perfeição. Gabriel
usou um pincel com cabo de madeira preto para misturar a espuma de
barbear. Depois de espalhar a espuma no rosto, ele usou um barbeador de
metal.
(Para certos professores, aparelhos de barbear descartáveis não são
bons o suficiente.)
– O que foi? – Ele se virou, notando que Julia o devorava com os olhos.
– Eu te amo.
A expressão no rosto dele ficou mais suave.
– Também te amo, querida.
– Você é a única pessoa que usa a palavra querida com tanta frequência.
– Isso não é verdade.
– Não?
– Richard chamava Grace assim – disse Gabriel, lançando-lhe um olhar
triste.
– Richard é antiquado, no melhor sentido da palavra. – Ela sorriu. –
Adoro o fato de você também ser.
Gabriel bufou e voltou a se barbear.
– Se eu fosse tão antiquado, não teria feito amor com você ao ar livre. E
não estaria fantasiando em apresentá-la a algumas das minhas posições
favoritas do Kama sutra. – Ele lhe deu uma piscadela. – Mas sou um pretensioso de uma figa e tenho um temperamento dos diabos. Você vai ter
que me amansar.
– E como devo fazer isso, professor Emerson?
– Nunca me deixe. – Ele baixou o tom de voz e se virou para encará-la.
– Estou mais preocupada em perder você.
Gabriel se inclinou na direção de Julia e beijou sua testa.
– Não tem por que se preocupar.
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julgamento de Gabriel
RomanceFlorença, 1290 poeta deixou o bilhete cair no chão com a mão trêmula. Ficou alguns instantes sentado, imóvel como uma estátua. Então, cerrando os dentes com força, levantou-se e atravessou sua casa em alvoroço, ignorando mesas e objetos frágeis, des...