Capítulo 2

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A sensação que eu tinha, era de leveza. Não possuía gorduras, musculo, ossos... Eu me sentia como uma pena, ou até mais leve que uma.

Senti uma energia me puxar, tentei me manter firme onde me encontrava, mas era mais forte, então sem resistir muito, me deixei ser levada, quando percebi estava entrando em uma capela no cemitério Doces Flores, lá pude notar conhecidos e familiares. Dimitri estava ao lado de fora olhando as lapides em silencio, os olhos avermelhados e seu nariz que escorria secreção por conta do choro. Um pouco mais próximo a entrada estavam meus pais e meu irmão, não queriam permanecer na capela.

Dentro, havia um caixão no centro. Minhas tias ao redor do mesmo, olhando para a figura fantasmagórica que repousava no mesmo. A energia me levou para cima do caixão, assim pude notar melhor meu corpo pálido, os cabelos em um tom de loiro sem brilho, as mãos cruzadas próximo ao peito, como se rezasse. Era assustador me ver nessa cena.

A energia que me trouxera para cá, era a energia da conexão do meu corpo com minha alma, então deixei que ela concluísse a sua tarefa e me unisse ao corpo, assim que feito, voltei a enxergar apenas a escuridão.

Era perceptível que essa escuridão se dava por conta de meus olhos fechados. Além de meus olhos colados, senti um pouco de algodão em minhas narinas e ouvidos. Minhas mãos também se encontravam com cola, tudo para permanecer intacto para o funeral.

Sabia que logo precisaria respirar, assim que a conexão com meu corpo fosse totalmente concluída, meus pulmões suplicariam pelo oxigênio.

Concentrei toda minha força para minhas mãos e então consegui fazê-la se soltar. Senti a necessidade em respirar e então meu corpo se contorceu.

Alguém tocou em mim, e pelo grito, percebi que a pessoa desmaiou, logo em seguida outra pessoa tocou-me e repetiu o desmaio. Com minhas mãos liberei a passagem de ar em minhas narinas e boca. Esfreguei meus olhos até que a cola saiu, permitindo que eu abrisse os olhos e me sentasse no caixão.

Tio Rodolfo se aproximou de mim chorando, abraçou-me e como as outras duas pessoas, caiu ao chão, assim que me tocou. Foi então que percebi, essas pessoas não estavam desmaiadas, estavam mortas.

Eu fui avisada, voltaria a vida, mas nem tudo seria como antes. Eu era uma ceifadora, e ceifadores trazem a morte.

Avistei minha mãe se aproximar, estava emocionada, um sorriso se repuxava em seus lábios.

— Não encostem em mim! — avisei. — Quem encostar morrerá!

Minha mãe franziu a testa e perguntou.

— O que estás dizendo minha filha. Você está viva.

De longe vi meus amigos e Dimitri. Eles me olhavam em dúvida. Não entendiam o que estava acontecendo.

— Você não vê! — gritei. Olhei para meus parentes caídos mortos no chão e então disse. — Todos eles me tocaram, e estão mortos! Mortos! — repeti a palavra com mais força. Para que ela pudesse entender. Gritos de pavor ecoaram naquela pequena capela. — Fiquem longe de mim! – gritei e sai de cima daquele caixão. Eu estava usando um vestido branco, ele era solto e tinha detalhes de renda. Eu o amava, e minha mãe havia escolhido logo ele para meu funeral. Antes de sair da capela olhei para Dimitri que estava assustado e demonstrava medo, medo de mim. — Me desculpa.

Após essas palavras eu corri descalço pela imensidão de grama.

Eu precisava sair daquele lugar. Precisava achar um lugar protegido. Algum lugar que ninguém poderia me ver, e nem encostar em mim.

Consegui sair do cemitério.

Morava em uma pequena cidade era difícil não conhecer as pessoas que a habitavam nesta.

Caminhando com dificuldade avistei o marceneiro Pedro, amigo de meu pai. Ele encostou seu carro e me chamou. Sua voz estava assustada. Já que a cidade toda sabia de minha morte.

Olhei para ele e pedi.

— Não chegue perto de mim, por favor.

— Pensei que estava morta — disse Pedro se aproximando. — Seu pai me avisou, eu não consegui ir em seu velório, mas percebo que era tudo farsa, você está viva. Qual o motivo da mentira? — se questionou em voz alta.

— Eu morri, mas voltei. Não posso te explicar, mas para seu bem, não se aproxime de mim.

Ele me ignorou e encostou suas mãos em meus braços.

— Mas como pode estar... — antes de concluir, Pedro caiu no chão. Mais uma morte contabilizada em minha conta.

Olhei para os lados com medo de alguém estar me vendo, peguei a chave do carro e entrei nele. Coloquei a chave na ignição e a girei.

Não iria muito longe com ele. Só precisava sair daquele lugar.

Enquanto dirigia, pensamentos questionadores surgiam. O que faria? Primeiramente eu precisava ir para casa, pegar algumas roupas e então arrumar algum lugar seguro para ficar.

Estacionei o carro e desci dele deixando a chave no banco.

Na entrada de minha casa havia uma rosa, não pude deixar de encostar nela, precisava sentir a textura de algo vivo. Porém após o meu toque essa doce flor murchou, ficou cinzenta e as pétalas caíram. Dessa forma respondeu uma de minhas perguntas, todos os seres vivos com o meu toque morreriam. 

Filha da MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora