Capítulo 6

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Ficar na casa, não faria me encontrar com o bruxo, então resolvi caminhar. O céu estava nublado, avistei um corvo sobrevoando bem baixo. Enquanto caminhava, percebi que ele acompanhava meu ritmo, acelerei meus passos e ele prosseguiu próximo a mim. Parei e gritei em direção a ave.

— O que você deseja?

O corvo respondeu, pousando próxima a mim em um muro. Em suas garras, segurava uma carta. Ficou parado me encarando, me aproximei com cautela e peguei a carta de suas garras, assim que feito, ele foi embora.

Abri a carta e encontrei um pequeno papel. Nesse com uma perfeita caligrafia estava escrito.

Stephan, 19 anos. 19:10

Essa seria a primeira vez que teria que ceifar a alma de alguém sozinha.

Não havia endereço, como poderia saber onde encontraria ele?

Lembro que o ceifador apenas nos teletransportou até a casa da garota, mas não me ensinara como fazia isso.

Fechei meus olhos e segurei firme o papel em minhas mãos, repeti varias vezes o nome de Stephan em minha mente, quando abri meus olhos apenas pude me decepcionar, estava no mesmo local que antes.

Não muito distante um garoto me encarava.

— Ouvi falar de você — disse ele.

Olhei para os lados, na esperança que o garoto falava com outra pessoa, mas estava enganada. Ele direcionava sua frase para mim.

— Se você ouviu falar de mim, então sabe que deve fugir.

— Filha da morte — falou se aproximando.

— O que? — perguntei.

— É o que todos te chamam, de filha da morte — agora ele já estava muito próximo a mim. Até que era bonito, seus olhos eram de um azul tão claro que pareciam me hipnotizar. — O que estás a fazer? — perguntou curiosamente.

— Indo matar uma pessoa, mas você está me interrompendo, então deixe-me ir antes que eu o mate também.

Pensava que sua reação seria de medo e logo ele iria sair e me deixaria sozinha para fazer minhas tarefas, mas pelo contrário ele riu.

— Creio que a pessoa me agradecerá por estar te interrompendo.

— Talvez — ele parecia querer chegar mais próximo de mim, eu não me movi nenhum centímetro com medo que pudesse encostar nele e matar a pessoa errada. Olhei para o relógio no no pulso dele que marcava exatamente 19h00min. — Deixe-me ir, está quase na hora dessa pessoa morrer, e eu nem a encontrei.

— Quem é a vítima? Talvez possa ajudar.

Suspirei, que mal faria mostrar o nome? Abri o papel e estendi em sua direção.

— Acho que não posso ajudá-la.

— Foi o que imaginei.

Quando fui atravessar a rua para poder novamente ficar a sós, vi esse garoto colocar as mãos em seu peito e logo caiu no chão.

— O que você tem? — perguntei gritando, eu não podia nem ao menos ajudá-lo.

Ele sorriu a meio aquela expressão de dor e falou:

— Nem nos apresentamos, meu nome é Stephan. Como na carta tenho 19 anos, e você?

— Ah meu Deus — sussurrei colocando as mãos em meus lábios.

Fiquei ali parada esperando, quando deu a hora exata toquei levemente seus braços. Não demorou para que a mesma pessoa, ficasse ao meu lado encarando o próprio corpo.

Sabia que deveria levá-lo para algum lugar onde será mandado para o tão desejado "paraíso", ou talvez o temido inferno, porém antes todas as almas seriam levadas para o purgatório para se purificar.

— Venha comigo.

— Para onde? — perguntou-me.

— Apenas me acompanhe — comecei a andar na esperança que ele me seguisse, mas não. Ele ficou parado ao lado de seu corpo. — Venha — o chamei.

— Para onde me levara? — perguntou-me novamente.

Segurei uma de suas mãos, no toque pude sentir uma certa energia ruim.

— O que você fez? — perguntei.

Ele ficou me encarando por alguns segundos, talvez tentando saber sobre o que eu questionava.

— Me diga você.

Era engraçado como ele agia comigo, em nenhum momento demonstrou medo com o que eu era.

— Venha logo — voltei a andar. Eu nem sabia para onde tinha que ir, apenas segui a estrada na esperança de estar indo para o caminho certo, e dessa vez ele me seguiu.

— Me diga mais sobre você — Stephan falou.

— Dizer o que? — perguntei.

— Não sei, apenas converse comigo, você é sozinha. Logo eu não estarei mais aqui, então aproveite que sou legal — falou sorrindo, fazendo com que eu sorrisse também.

— Bem... — comecei. — Vida perfeita, sabe? Até que um lindo dia, o carro onde eu estava perdeu a direção e caiu em um riu. Não consegui me salvar, e querendo que tudo voltasse ao normal, que eu voltasse para as pessoas que amo, concordei em ser uma ceifadora. E aqui estou... Querendo ter realmente morrido.

— Não é bom adiar a morte — disse.

— Estou sabendo bem sobre isso. E você, o que tem a me contar?

— Não tenho muito a dizer, apenas que eu já sabia que morreria, na realidade não tinha tanta certeza.

— Como sabia? — perguntei.

— Dizem que cometer um suicídio é um pecado, certo?

— Não sei muito sobre isso.

— Em minha vida não fiz escolhas boas, e acabei cansado de viver. Hoje mais cedo, resolvi acabar com isso e experimentei um veneno, não estou lembrado do nome, mas demorou a surgir o efeito, até pensei que não havia adiantado, mas... aqui estou.

— Você se arrepende?

— Um pouco. Acredito que só precisava ter alguém com quem conversar, por isso converse comigo, antes que volte a ficar sozinha.

— Espero que fique em paz Stephan.

— Creio que no "paraíso" não serei bem-vindo.

— Talvez.

Fui seguindo meus próprios instintos e acabei achando uma parede pichada de cor azul, encostei nela e pude ver um campo repleto de alegria.

Olhei para Stephan sorrindo. Ele seria perdoado, mas antes ele passaria pelo purgatório.

— Está na hora — falei estendendo uma de minhas mãos para ele, ele a segurou sem hesitar e logo sumiu.

Assim a solidão se fez presente. Eu estava sozinha novamente.

Filha da MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora