Capítulo 3

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Tive que entrar pelos fundos, obviamente a casa estava fechada, e não havia nenhuma chave comigo, ninguém deixaria uma chave com uma falecida. Uma das janelas dos fundos se encontrava entreaberta, para ter uma ventilação na casa.

Corri para meu quarto, tudo estava da mesma forma que havia deixado na noite da festa. Vestidos e sapatos estavam jogados sobre minha cama. Minhas joias reviradas em cima do criado-mudo. Uma pequena bagunça.

Fui até o banheiro, e lavei meu rosto para tirar o que ainda restava da cola. Olhei brevemente a banheira e contive minha vontade de tomar um banho quentinho. Precisava sair dessa casa antes que meus pais voltassem.

Novamente em meu quarto, parei em frente ao espelho e olhei-me e lá estava meu reflexo. Esperava ver uma garota com cabelos desgrenhado, um rosto pálido, olhos cansados e olheiras, mas pelo contrário, meus cabelos loiros estavam mais brilhosos, minha pele corada, o que indicava vida. Em meus olhos havia algo estranho, me aproximei mais do espelho e nos olhos pude ver um desenho, duas foices cruzadas como as dos ceifadores.

— Filha — Ouvi a voz de minha mãe. Virei-me e então a avistei na entrada de meu quarto.

— Mãe — sussurrei. Minha mãe deu dois passos em minha direção, mas logo a alertei. — Não, você não entende. Tudo que eu encosto, morre.

— Isso não é verdade filha — sua voz trazia uma esperança que isso não era real. Que eu estava bem, e que ela podia me abraçar.

— Veja você mesma — procurei pelo quarto uma flor. Logo encontrei-a na base da janela, absorvendo o raio de sol, estava em um pequeno vaso. Eu a peguei e encostei sem hesitar, sabendo que logo ela morreria, e assim aconteceu, após meu toque essa flor virou apenas cinzas em minhas mãos.

Minha mãe soltou um grunhido de pavor.

— Como isso é possível? — se perguntou.

— Eu não sei, mas não se preocupe eu vou embora, vou procurar algum lugar que não há ninguém para que assim eu possa ficar, sem causar a morte.

Fui em direção a minha mochila que estava em cima da cama, mas minha mãe a pegou mais rápido.

— Coloque-a em cima da cama, por favor — Não poderia nem chegar perto de minha mãe com medo que eu a encostasse.

— Você não vai a lugar algum! — Ordenou como se eu fosse a mesma filha de antes.

Soltei uma gargalhada, mas não como se houvesse graça, e sim uma gargalhada que continha uma ameaça. Minha mãe se assustou largando a mochila no chão e dando alguns passos para trás.

Era o certo a se fazer, eu estava longe de ser a mesma garota de antes, a mesma filha de antes. Eu precisava deixa-los para trás.

Peguei a mochila do chão e comecei a colocar algumas roupas e acessórios, o básico. Enquanto isso minha mãe me observava.

— Como você vai viver sozinha? Diga-me!

— Eu me viro — falei enquanto colocava o necessário na mochila. — Já sou grande o suficiente para isso, e qualquer coisa, eu volto – menti.

— Você volta mesmo?

— É claro que sim — sorri, enquanto agora via minha mãe chorar.

— Querida... — escutei a voz de meu pai chamando por minha mãe. Ela me olhou e saiu do quarto fechando a porta.

Sentei por um breve momento em minha cama, mentalmente estava me sentindo exausta.

Um barulho de algo sendo pregado me chamou a atenção, fui abrir a porta para ver o que era, mas ela não se abriu.

— Mãe! — chamei. — Abra a porta!

— Só abrirei se você prometer que não vai embora — era a voz de meu pai do outro lado da porta.

Provavelmente se sentiam emocionados de mais para raciocinar que minha presença era um perigo para a família.

— Minha irmã está no quarto papai? — escutei a voz de meu irmãozinho. A doce voz que procurava pela irmã, mas ele não sabia que sua irmã não estava mais aqui. Ela havia morrido naquele acidente de carro, aonde havia caído no riu e morrera afogada. Agora só sobrara o corpo de sua irmã, mais nada.

Minha ideia de sair forçando a porta seria arriscada demais, pela presença de meu irmão que faria de tudo para se agarrar em meu corpo.

— Sim, mas você não pode ficar aqui. Vá com sua mãe para a cozinha — ordenou meu pai.

Escutei o resmungo de meu irmão, mas logo os passos foram se distanciando.

— Tudo bem — falei. — Eu prometo ficar, mas saiba que será difícil, pois vocês não podem chegar perto de mim, e se meu irmão encostar em mim, ele morrerá. O que você fará para tal não acontecer? — perguntei. Esperando por alguma resposta decente algo como "Você está certa, deve ir embora". No entanto, sua resposta foi absurda.

— Ele ficara na casa de sua avó, e eu e sua mãe poderemos ficar alguns dias junto com ele, e outros contigo.

Soltei outra gargalhada.

— Que ideia ridícula! — gritei. — É bem mais fácil eu sair dessa casa, do que vocês. Parem de serem burros e me deixem ir embora! Não quero ficar aqui! É o melhor para mim, é o melhor para vocês! — respirei fundo e peguei a mochila colocando em minhas costas. Sairia o mais rápido possível, sem que meu irmão me notasse. — Vá para trás pai! — gritei. Então com todas minhas forças dei um chute nessa porta que fora arremessada para a parede. Vi os olhos de meu pai assustado vendo o estrago que eu fizera. — Viu! Eu não sou mais a mesma.

Corri em direção a porta que me levaria a saída, não olhei para trás quando bati a porta em minhas costas.

Não fazia ideia para onde iria, mas aqui eu jamais poderia voltar.

Filha da MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora