(Kakanaru)

Afinal, o que são os corvos?

A lâmina se moveu habilmente, cortando o caule e fatiando os temperos e legumes sobre a tábua de madeira. A cebola e o alho foram empurrados para a panela, enquanto o tomate e o coentro foram reservados. A torneira foi aberta para lavar as mãos e o sabão de coco em um recipiente do Bob Esponja causou um longo suspiro com as memórias de um loiro risonho. 

Já se passaram 3.720 minutos e 223.200 segundos sem notícias do Naruto. Desde a minha licença forçada, ele vinha fugindo após a escola para me visitar. Não que eu aprovasse esse comportamento, só não conseguia ficar bravo toda vez que via seus cabelos loiros atravessando a moita e suas mãos gorduchas batendo no vidro, sempre com um sorriso brilhante e um saquinho de frutas na mochila.

Muitos diriam que estou me preocupando à toa. Se algo tivesse acontecido, Kushina certamente teria me avisado. Posso ter quebrado três dos meus telefones no dia em que Minato me deu a agradável notícia de que o Corvo é um contratado temporário. Não sei por quê, mas os aparelhos continuavam se espatifando em minha mão cada vez que ouvia esse nome.

No entanto, tive muito tempo para pensar nas últimas malditas 62 horas. Talvez o Naru esteja muito ocupado com tarefas do colégio, ou se envolveu em uma briga e ficou de castigo? Não é o tipo de coisa que ele faria, mas andando com certos tipos pode acabar sendo mal influenciado. Afinal, o que são os corvos? Uma versão diferenciada dos abutres? Todos sabem que crianças sempre preferem o grande e imponente lobo. Um sol tão radiante, meu sol radiante, não poderia ser distraído com uma ave preta depenada que a qualquer momento pode acabar no fundo de uma panela de água fervendo. Sim, isso é fato. Meu sol iria preferir correr livre com seu sagaz e cheiroso lobo.

— Droga. — Apaguei o fogo quando o cheiro espesso de queimado inundou a cozinha. Com uma lamentação, joguei a panela na pia da varanda, junto com as outras três igualmente tostadas. Era claramente um problema com fogão, o escapamento de gás ou talvez as panelas que não tinham boa qualidade, mas certamente não era porque não conseguia me concentrar em mais nada.

Ah, que se dane a comida! Não é como se fosse receber alguma visita com necessidades saudáveis. Ao menos o tempo estava a meu favor. Conferi com um passar de mãos impaciente pelos cabelos e um olhar entediado para o céu sereno e sem nuvens. 

— Uma caminhada rápida pelo terreno vai me manter ocupado. — Peguei algumas das kunais escondidas pela casa e enfiei os pés nas botas, amarrando os cadarços. Espero que Naruto tenha lembrado de sacudir os sapatos, podem haver escorpiões escondidos.

Quando comecei a avançar na direção da floresta, respirei profundamente o aroma das ervas e da terra úmida. Focalizei meu chakra para detectar qualquer indício de presença fora do comum. Este definitivamente não era um dia propício para cruzar o meu caminho.

Plink… A primeira gota de chuva me acertou, deslizando ao longo do tecido da bandana que eu usava para proteger meu olho esquerdo.

— Só pode ser sacanagem! 

❖✧✦✴✰

O som quase inaudível da janela de vidro deslizando lentamente não me surpreendeu - era a quinta vez desde ontem. Subitamente, um par de tênis com estampa de camuflagem fez sua aparição, seguido por pernas curtas vestindo bermudas verde escuro.

O pequeno fugitivo, cujos olhos brilhavam com travessura, ficou pendurado no batente da janela, seus pezinhos balançando no ar, enquanto seus bracinhos trêmulos se apoiavam com firmeza. Com determinação, ele deslizou pela janela até que as pontas dos dedos ficassem brancas pela pressão. Finalmente, com um salto desajeitado para trás, se soltou do batente, aterrissando no chão da área de serviço.

Pelo reflexo do vidro, assisti ao rosto do pequeno aventureiro se iluminar com um sorriso orgulhoso, pois desta vez conseguiu evitar bater o bumbum no chão.

— Vai a algum lugar? — O mini projeto de Houdini se sobressaltou com um gritinho estrangulado.

— Aah! Corvo, você por aqui. — Ele se virou em câmera lenta com um sorriso amarelo, de um gato laranja que foi pego assaltando as panelas. — Que engraçado, estava te procurando.

— Roupa legal. — Analisei com incredulidade o conjuntinho de camuflagem que praticamente o faria desaparecer entre a paisagem da floresta. Santo Uchiha, aquilo pendurado em seu bolso era uma balaclava?

— Você vai contar pra mamãe? — Ele segurou a barra da camisa e teve a coragem de mostrar aqueles olhos de gato pidão. Não sei quanto ao outro cara, mas esse truque não vai funcionar comigo. Não importa quão brilhantes, redondos e inocentes seus olhos pareçam; para seu azar, eu sou um ANBU.

E... funcionou!

— Precisa parar de tentar fugir, não vai conseguir passar por mim. — Me agachei até ficar com o queixo da sua altura e estendi a mão. Ele a olhou com certo receio.  — Venha vamos voltar.

— Tá, mas você vai ter que mostrar algo legal. Estou muito entediado sem meu lobo. 

É difícil acreditar que ele e meu irmãozinho "afetuoso" tenham a mesma idade. Espero que demore uns bons anos até Sasuke começar a fugir de casa e se esgueirar pelo mato para encontrar um cara.