Cap. 6 - O Passado (Parte III)

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Quando deixamos o teatro três horas depois, é bem evidente que o ceticismo de Sarah tinha razão de ser.

Meu corpo inteiro vibra de tanta energia. Não apenas a produção era inacreditável, mas ficar sentada próxima a ela por todo aquele tempo, em uma sala de espetáculos às escuras, foi como uma eletrocussão em baixa voltagem. Eu jamais reagi de forma tão intensa a uma mulher. Sim, já estive com algumas.

— Então — diz ela. — Isso foi incrível!

— Foi mesmo. Obrigada pelo convite.

— Obrigada pela companhia.

Escuto nossa conversa casual, mas não há nada de casual no que está acontecendo entre nós. Há tanta adrenalina correndo em minhas veias que sinto como se pudesse, a qualquer minuto, pular no meio do trânsito como se fosse o incrível Hulk e virar um táxi de cabeça para baixo.

Sarah olha em volta e se balança, quase imperceptivelmente, sobre os calcanhares.

— Não sei você, mas eu estou agitada demais para conseguir ir para casa tão cedo.

— Ah, eu também.

— Eu esperava que você dissesse isso. Venha comigo.

À medida que abrimos caminho em meio à multidão que sai do teatro e seguimos na direção da Times Square, Sarah pousa a mão nas minhas costas para que não nos percamos uma da outra. O gesto adiciona mais uma camada de tensão às minhas já sobrecarregadas glândulas adrenais.

A essa hora da noite, a atmosfera na região da Broadway é elétrica. Há milhares de pessoas deixando os teatros, rindo, encantadas, tomadas pela magia que só o teatro é capaz de transmitir a alguém. Sarah e eu nos esquivamos e serpenteamos através da multidão, mas não tenho ideia de para onde estamos indo.

Depois de um tempo, ela desiste de tentar me orientar tocando minhas costas e segura a minha mão para me mostrar o caminho. Seus dedos são quentes e a sensação da minha mão na dela é tão familiar que chega a ser bizarro.

— Aonde estamos indo? — pergunto.

Ela olha para mim e sorri.

— Isso importa?

Racionalmente, entendo que deveria ser cautelosa porque sei tão pouco sobre ela, mas por alguma razão me sinto segura. Tudo sobre ela é novo e conhecido ao mesmo tempo. É como se uma melodia tivesse soado na minha cabeça durante toda a minha vida e, graças a ela, agora ela tivesse letra.

Depois que passamos pela confusão da praça principal, descemos alguns poucos quarteirões e seguimos na direção do rio. Por fim, ela pára em frente a uma porta em formato de calçadeira, que fica entre um brechó e uma tinturaria.

— Eu moro neste prédio — diz ela e acaricia a palma da minha mão com o polegar. — Meu apartamento é pequeno e antigo, mas... quer subir?

Encaro a porta encardida.

— Eu preciso?

Ela ri.

— Claro que não. Eu só... — Ela dá um passo na minha direção e eu prendo a respiração. — Ainda não quero dizer boa noite. Não tenho álcool no meu apartamento, mas tenho leite e biscoitos. E se você for boazinha, levo você ao meu jardim no telhado.

— Isso é um eufemismo? — Estou surpresa com a rouquidão da minha voz.

Pela forma como Sarah parece hipnotizada pelos meus lábios, acho que ela gosta desse tom. Ela se inclina na minha direção e eu pressiono meu corpo contra a porta.

Impiedoso Coração (Sariette G!P)Onde histórias criam vida. Descubra agora