16

132 16 14
                                        

Estou há mais de meia hora focada em uma pequena rachadura no concreto do chão. Ela não se move. Não há nada nela que mude. Estava extremamente no mesmo lugar e da mesma forma ontem, quando a notei no piso liso do estacionamento. Me pergunto o motivo de uma coisa tão pequena ganhar toda minha atenção. Ela permanece a mesma. Imutável.

— Marina? – Lana balança a mão na frente do meu rosto.

— Oi, não vi você chegando.

— Está tudo bem? Te chamei algumas vezes – seus olhos vão para a rachadura na qual meus olhos estavam.

— Hoje Barrie veio aqui.

— Barrie? Fazer o quê?

— Algo sobre colocar a filha dele, não, dele não, de vocês nessa escola.

Sua feição muda da água pro vinho. Eu não pretendia ser tão direta, mas não conseguiria dizer outra coisa que não fossem essas palavras que estão martelando na minha cabeça desde que vim ao estacionamento.
Os olhos de Lana nunca estiveram tão grandes e assustadores. Acho que ela está até pálida.

— Em momento algum você pensou em me contar que tinha uma filha? Eu sabia que tinha algo errado, que você escondia alguma coisa, mas nunca passou pela minha cabeça que fosse uma garotinha.

— Ele não devia ter feito isso.

— Eu detesto aquele cara, mas se não fosse por ele algum dia eu saberia que você tem uma filha? Não é justo comigo. Estamos em um relacionamento, eu preciso saber dessas coisas.

— Eu sinto muito.

— A sua família sabe?

— Meu pai. Só meu pai.

— Você escondeu ela de todos eles. Por quê? Qual o seu problema? Que merda aconteceu com a sua cabeça em Londres?

Ela não responde. Lana só mantém a mesma feição até me ver cansar de esperar por uma resposta. Quando faço menção de entrar no carro para ir embora, sua mão segura meu braço. Ela o aperta com força o suficiente para me fazer gemer de dor.

— Eu não queria que você soubesse dessa forma. Eu tentei te contar incontáveis vezes, mas nunca consegui.

— Do que você tem medo? Eu não sou um monstro, você sabe que gosto de crianças, eu não teria nenhum problema em você ter uma filha. Eu não tenho – me corrijo – O que me magoa é a mentira. Você não confia em mim.

— Eu sei dessas coisas, Marina. Mas se eu te contasse, teria que contar tudo e eu não suportaria que me olhasse da forma que todas as outras pessoas olham.

Ela ainda aperta meu braço com força, mas suas palavras espantam a dor. Na verdade, até me acostumei com ela.

— Do que você está falando?

Lana desvia seus olhos do meu rosto para olhar ao redor. Não estamos completamente sozinhas, vez ou outra alguém entra e sai do estacionamento.

— Podemos falar sobre isso em outro lugar?

— Vamos pra minha casa.

Ela solta meu braço devagar e percebe a força tremenda que estava fazendo devido a sua palma vermelha e a pele com o formato dos seus dedos.

— Desculpe.

— Você está me assustando.

— Eu não queria te machucar.

— Não por isso – ergo o braço – Seus olhos. O que aconteceu?

— Outro lugar, por favor.

Balanço a cabeça e a vejo seguir para o seu carro. Faço o mesmo, só que para o meu.
Sigo o caminho até meu apartamento aflita.

It hurts to love youOnde histórias criam vida. Descubra agora