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A língua é colocada para fora diversas e diversas vezes em uma falha tentativa de limpar o molho vermelho ao redor dos lábios. Ela se rende ao guardanapo, para depois enrolar o macarrão no garfo e levar a boca de novo. Em meio as garfadas, ela sorri.
Ninguém come macarrão como Lana.
Não percebo que estou encarando há mais de cinco minutos. Não percebo que seria facilmente notada pelo fato de estarmos em três na mesa da cozinha. Não percebo.
E por um segundo não me importo.
Ela fica envergonhada. Lana nunca gostou de ser observada enquanto come. Ela não sabe que fica extremamente bonita com a boca suja de molho vermelho.

— Você não comeu nada – Chuck toca meu cotovelo.

Hoje ela chegou mais cedo. Tivemos uma pequena discussão sobre eu não ter sido informada que Lana voltaria para cidade e que ficaria em nossa casa. A questionei sobre ter mentido tanto tempo sobre não manter contato com a irmã. A vergonha ficou nítida. Ela disse que não sabia como dizer, pois tinha medo de que me afetasse de alguma forma.
Estou extremamente chateada, confusa e com os sentimentos a flor da pele, mas decidi não dizer nada por hora. Quero conversar com mais clareza amanhã.
Preciso colocar pelo menos alguns pensamentos no lugar.
Desde que Lana se foi, entrei em uma tristeza profunda. Foi como um terrível pesadelo. Não me lembro dos momentos sombrios com clareza, mas lembro do que estava envolvido. Comprimidos misturados a álcool, sangue, agulhas e uma imensurável angústia.
Quando atingi o fundo do poço minha única opção foi subir. Chuck foi minha escada.

— Estou com pouca fome.

— Come pelo menos um pouco.

— Acho que vou me deitar. Estou cansada.

Deixo a mesa sem esperar sua resposta. Não olho para nenhuma das duas, apenas saio rapidamente e sigo as escadas. Eu não suportaria ficar mais um segundo sequer naquela mesa sem conseguir tirar os olhos dela.
Sei que agora estou em um relacionamento. Também sei que não deveria ficar olhando para a irmã da minha namorada daquele jeito. Afinal faz dez anos. Chuck provavelmente acha que a superei de alguma forma. Lana deve pensar o mesmo. Até eu pensava antes de vê-la. Mas quando coloquei meus olhos nela após todo esse tempo, não só a angústia voltou, mas também aquela sensação de fechar os olhos e sentir o sol na pele. De alguma forma Lana me aquece. Traz de volta todos os sentimentos esquecidos sobre o amor. Mas também traz o tormento. A dor. O desespero. A sensação sufocante de amar tanto alguém a ponto do ar escapar dos pulmões. Aquele amor que se alastra por todo o seu coração e invade cada pedacinho do seu corpo até não restar nada que não seja ele. É tudo o que você vê. O que você sente. É tudo o que há de você. Não há mais nada, apenas ele. Chuck sempre soube. Ela sempre soube que eu amaria Lana até eu morrer. Mesmo há quilômetros de distância. Mesmo após anos. Sempre, sempre seria ela.
Eu disse. Quando começamos com isso eu disse que se a visse de novo não poderia aguentar. Ela não pode ter esquecido. Ela não pode ter acreditado que algo mudaria com o tempo. Que esse sentimento se apagaria com o passar dos anos. Talvez ela nunca tenha entendido, porque se ela entendesse, nunca deixaria eu colocar meus olhos em Elizabeth de novo.

— Marina?

Estou parada em frente ao espelho do banheiro com as mãos apoiadas na pia. Não me lembro de ter entrado no banheiro. Eu estava no quarto, escolhendo meu pijama. O qual já vesti sem me dar conta. Acontecia o mesmo há anos. Eu pensava tanto a ponto de não me lembrar.

— O quê? – olho para ela.

— Eu sei que você está chateada, mas ela ficará por pouco tempo. Só até terminar a papelada da compra da casa.

— Ela vai morar na cidade por quanto tempo? Só até terminar o livro?

— Eu não sei. Ela ainda não sabe.

It hurts to love youOnde histórias criam vida. Descubra agora