Naquela noite, deitei-me com uma sensação persistente de déjà vu pairando em minha mente. Mesmo dizendo a mim mesmo que a ignoraria, incomodava-me o sentimento de familiaridade em relação àquela garota e a maneira como eu reagia diante de sua presença. Além disso, minha excelente memória estava me frustrando; normalmente, eu conseguia lembrar do rosto de qualquer pessoa com quem conversasse, mesmo que fosse apenas uma vez. Isso tornava ainda mais desconcertante o fato de não me lembrar dela. Talvez fosse apenas uma mera criação da minha mente, mas a ligação dela com a Gerente poderia explicar essa sensação e reforçar o fato de que talvez eu já a tivesse visto antes.
Adormeci com esses pensamentos pairando e, na manhã seguinte, acordei determinado a esclarecer as dúvidas que me atormentavam. Ao descer as escadas, a encontrei sentada no sofá, aparentemente perdida em pensamentos. Optei por não a incomodar naquele momento e segui para a cozinha para preparar o café da manhã. Enquanto eu estava lá, ela se aproximou, seus dedos entrelaçados se movendo nervosamente uns sobre os outros, e com uma expressão hesitante e a voz trêmula, indicavam sua dificuldade em iniciar um diálogo comigo. Não era de se admirar, dada a forma que agia com ela. Ainda que hesitante, ela tentou iniciar a conversa:
— E... Ei! — gaguejou, como se não soubesse bem por onde começar.
Sem desviar minha atenção do que estava preparando, respondi com um tom seco, mal lhe dando atenção:
— Diga.
Ela continuou, ainda com relutância:
— Você... é feliz vivendo dessa forma?
Sua pergunta me surpreendeu, fazendo-me olhar na sua direção. Jamais imaginaria que ela se importaria a ponto de me questionar dessa forma direta. Considerando como eu agia, supus que ela simplesmente me ignoraria, sem qualquer interesse por qualquer aspecto da minha vida. No entanto, ela perguntou. Minha resposta, como tantas vezes repetida para mim mesmo, saiu naturalmente:
— Não, mas também não me sinto infeliz. Creio que é o suficiente.
Ela desviou o olhar e, mais baixo, murmurou:
— Suficiente... né?
Antes que ela pudesse se afastar, decidi indagar:
— Por quê?
Talvez essa fosse a minha pior e, ao mesmo tempo, melhor escolha. Normalmente, permaneceria em silêncio, mas senti a necessidade de falar naquele momento. Um sentimento estranho, porém, bom. Era como se fazer essa pergunta fosse a coisa certa a fazer.
Mesmo de costas, notei que ela sorriu ao ouvir minha pergunta. Então, respondeu:
— Porque... — virando-se para mim, finalizou — talvez você se arrependa de viver assim.
Aquelas palavras reverberaram em minha mente. Ela parecia enxergar algo que eu não conseguia. Parte de mim resistia, mas outra parte sentia uma curiosidade legítima sobre o que ela queria dizer. Talvez fosse hora de reconsiderar minha postura e considerar a possibilidade de uma vida diferente. Entretanto, eu era teimoso. Estava apegado à minha maneira de viver, e só o pensamento de mudar me incomodava.
Mesmo imerso em pensamentos conflitantes, expressei honestamente o que pensava:
— Se arrepender, né? As pessoas sempre vão se arrepender de alguma coisa, não importa o quanto tentem.
Ela persistiu:
— E isso é motivo para não tentar viver de uma forma em que você não se arrependa?
— Não. Mas o que você sugere que eu faça? Que eu saia por aí, arranje uma namorada ou duas, vá a festas e coisas desse tipo? Nada disso-
— Não. Não precisa seguir o modelo de felicidade dos outros. Encontre o seu próprio.
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A Jornada em Busca da Triste Felicidade
RomanceYori, um homem que passou a vida inteira imerso em um oceano de ódio e apatia, está preso em uma rotina monótona e desprovida de propósito. Cada dia se assemelha ao anterior, levando-o a questionar se algo mudará, embora saiba que é ele mesmo quem d...