𝘀𝗮𝘂𝗱𝗮𝗱𝗲.

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"ᵉᵘ ᵃᶜʰᵒ ᵠᵘᵉ ᵉᵘ ᵛᵒᵘ ᵉⁿˡᵒᵘᵠᵘᵉᶜᵉʳ
ᵗᵃ̃ᵒ ⁿᵒᵛᵃ ᵉ ʲᵃ́ ᵖᵘˢ ᵗᵘᵈᵒ ᵃ ᵖᵉʳᵈᵉʳ
ˢⁱⁿᵗᵒ ᵠᵘᵉ ᵉᵘ ᵖʳᵉᶜⁱˢᵒ ᵖᵃʳᵃʳ
ᵈᵉ ᵗᵉⁿᵗᵃʳ ᵖᵉʳᵗᵉⁿᶜᵉʳ ᵃ ᵉˢˢᵉ ˡᵘᵍᵃʳ"

- para-raio, Clarissa.


EU ODIAVA A faculdade de arquitetura. A verdade é que nunca realmente escolhi o que estava fazendo. Eu ansiava por arte. Sempre ansiei. Achei que depois das batalhas não terem dado exatamente certo, iria fazer artes cênicas. Ou iria cantar. Tanto faz. Até dançar seria melhor do que arquitetura.

Eu tive três opções, dadas obrigatoriamente pelo meu pai: engenharia, medicina ou direito. Foi um milagre eu conseguir desenterrar a arquitetura.

Mas eu era péssima desenhando. Eu era assustadoramente ruim em qualquer cálculo que envolvesse mais do que a matéria do meu 7⁰ ano.

Respirei fundo enquanto encarava o meu tenebroso projeto que envolvia maquetes, plantas de casas e cálculos. Juro que os números estavam rindo e dançando na minha cara, debochando da minha burrice.

Desisti e resolvi fazer depois. Eu tinha mais dois dias para desenvolver isso. Em dois dias, meus neurônio já vão estar um pouco mais recuperados - eu acho.

A minha vida estava um caos. Eu não tinha amigos. Eu não tinha um trabalho que gostasse. Eu era faminta por qualquer sensação além do mais puro e vazio tédio. Eu não tinha uma saúde mental estável. Minha ansiedade conseguiu ficar ainda pior do que a minha época como Atena.

Atena.

Fecho os olhos com força, sentindo um nó doloroso se formar na minha garganta. Eu podia negar quanto quisesse, o sentimento permaneceria ali. Meu peito doía de tanta saudade. Sentia saudade da minha arte. Da atmosfera antes de tudo de ruim acontecer. Mas nada era tão forte quanto a saudade dos meus amigos. Pensar neles era um soco bruto no estômago.

Não tive mais contato com nenhum. Meu pai tirou o contato deles do meu celular, para o "meu bem". Se passaram 4 anos e nunca mais senti tanta conexão com mais ninguém. Desisto de conter as lágrimas assim como desisti do projeto. Choro, e choro muito. Choro porque odeio arquitetura, e estou amarrada com ela pro resto da minha vida. Choro porque quero viver, tenho sede de memórias que nunca vivi. Choro porque queria amar meu pai com plenitude, queria que ele não agisse de forma tão babaca comigo. E sim, derramo boas lágrimas pela saudade avassaladora que sinto de meus amigos.

Pego meu celular com a visão embaçada. Eram 00:31. Mordo meu lábio e hesito antes de abrir o Instagram e pesquisar "Jotapê" na barra. O Jota tinha crescido muito desde a última vez que nos vimos pessoalmente. Eu ainda acompanhava ele, mas nunca tive coragem de mandar mensagem. Admirava de longe. Ele tinha começado a namorar, os dreads tinham se tornado vermelho vivo.

Sempre achei que todos os meus antigos amigos tinham ódio de mim. Eu sumi do nada, tive vergonha de contar o que estava acontecendo comigo na época, e se eu tivesse qualquer contato, meu pai faria algo contra.

Mas eu venho obedecendo demais o meu pai ultimamente. E me encontro total e completamente infeliz. Ele diz que no futuro eu irei ser grata, mas quero ter gratidão, ter felicidade pelo processo, não só pelo resultado.

Mando ele se ferrar na minha mente e mando mensagem pra minha real figura paterna.

"Boa noite, Jota."

"Desculpa mesmo o horário. É a Atena."

"Talvez você me odeie, e você tem total razão e liberdade pra
isso.
Mas eu preciso muito de vocês.
Eu preciso muito de arte.
Eu juro que não me afastei atoa."

"Sério, me desculpa. Se você resolver responder isso,
por favor, me ajuda."

Olho pra mensagem, rezando pra não estar sendo chata. Desligo o celular respirando fundo e apago as luzes, torcendo pra que meus amigos tenham a clareza de quem eu sou tanto quanto eu tenho deles.





QUANDO EU ACORDEI naquele dia, a primeira coisa que eu fiz foi checar o meu celular. Eu podia ter passado a maior vergonha do universo, mas o respingo de esperança ainda faiscava em mim.

Eram 10:10, meu pai provavelmente já tinha ido trabalhar e eu já ouço os latidos loucos de Alfredo.

Meu coração dispara e meu estômago embrulha quando eu vejo que tem uma notificação do Instagram.

"Atena????? É você mesmo sua maluca?"

"Pqp, que saudade sua fdp"

"Carai, me encontra na padaria do seu Zé
depois do almoço. 14:00. Não é um pedido
Tória."

Quase chorei de felicidade. Só a minha mãe e Alfredo estavam em casa. Eu poderia muito bem ir pra padaria do seu Zé.

Sufoco um gritinho de alegria e me levanto para escovar o dente.

Me lembro que nesse dia eu vivi para as 14:00. Lembro que contei pra minha mãe. Ela ficou preocupada, mas ao ver a minha reação ela se desmanchou.

Minha mãe chegou a conhecer meus amigos por ligações de vídeo, e sabia do caráter deles.

Me lembro que foi nesse dia que a minha vida voltou a ficar menos monótona.

𝘀𝗼𝗯𝗿𝗲 𝗮𝗺𝗼𝗿 - 𝗴𝘂𝗿𝗶 𝗺𝗰Onde histórias criam vida. Descubra agora