-- Mabel --
- vocês realmente vão no jogo de amanhã né? - o John diz pegando um de seus uniformes em meu closet.
- tudo indica que sim, mas esse início de adaptação de rotina tá sendo difícil com a Cecília, não sei como ela vai acordar amanhã, ela tá bem enjoadinha vc sabe.
- faz um esforço meu bem, o jogo de amanhã é importante para mim, é um clássico, e mesmo que combinamos que ela só ia entrar em campo comigo na final da libertadores a presença de vocês amanhã é muito importante pra mim.
- é, eu imagino, vou ver o que eu faço - ele assente voltando a se vestir - e vc vai vir dormir aqui hoje?, havíamos combinado, lembra?
- Vix amor, nem vai dá, amanhã tenho que está no ct cedo para treinarmos e irmos pro estádio em seguida, e como minha casa é mais próxima acho que seria melhor dormi por lá mesmo.
- mas o jogo não vai ser só as 18:00 horas? Dava pra vc vim aqui na parte da noite me ajudar com a Cecília e ir embora amanhã cedinho.
- tá aí o problema, eu não posso chegar lá cansado, os treinos ultimamente tão sendo pesados, a libertadores vem aí.
- sempre a libertadores como desculpa.. - penso.
- vc sabe como é né princesa, não é que eu não quero, é que eu não consigo - ele diz e eu assinto - eu havia comentado no início que vc ia se cansar do bebê e precisaria de uma babá, mas vc não me ouviu.
- eu não tô cansada da nossa filha, Kennedy, eu só queria um pouco da sua ajuda nisso, a Cecília tem dois meses e não tem uma noite se quer que vc me ajudou com ela, nem quando eu estava no hospital.
- eu tava jogando, vc sabe disso.
- não vc não estava! Vc foi liberado assim que soube que a minha bolsa estourou, mas o irônico é que nem no ct vc estava, vc ficou duas semanas sem jogar e treinar mas mesmo assim mandava sua mãe e sua irmã e ficar comigo - me revolto com o assunto.
- vc já tá começando a criar casos na sua cabeça Mabel, vc sabe que o time não me liberou no nascimento da Cecília.
- tá bom, eu que tô criando caso, mas me responde uma coisa - ele me olha - se vc não foi liberado pelo Fluminense vc tava jogando onde mesmo que eu não estava vendo? - ele gela na hora parando de se vestir e me encara.
- vc nem tava assistindo os jogos, para de hipocrisia - revira os olhos.
- ah sim, eu sou a hipócrita agora - debocho.
- vai começar com esse deboche agora? Eu tô aqui sendo totalmente sincero com vc e vc vem com essa infantilidade de deboche pra cima de mim? - não digo nada e lhe encaro indignada com o que estava ouvindo - porra Mabel, vc não se ajuda.
- vc vai se atrasar - quebro o contato visual que estávamos tendo - seu casaco tá na segunda gaveta a esquerda, do seu lado closet, licença - levanto me retirando do quarto.
- Mabel volta aqui, vamos conversar cara - ignoro e continuo andando.
Eu e o John temos um relacionamento de anos, estamos juntos desde a minha vinda para o Rio de janeiro aos meus 18 anos, ambos tinham a mesma idade, nos conhecemos quando eu fazia estágio de fisioterapia no Flu, meu time do coração, nossa relação sempre foi algo bem estável, sempre confiamos um no outro, essa é a base do nosso namoro, ou melhor, era .. até eu engravidar.
Nunca fomos aquele tipo de casal que fazia muitos planos para o futuro, sempre fomos naquela de viver o momento e deixar a vida nos levar, e não víamos problema nisso, sempre deu certo nesses três anos.
E mesmo com o sonho de ser mãe eu nunca havia chegado no meu parceiro e falado sobre isso, afinal somos muitos novos, eu sou muito nova, tanto que quando eu engravidei a surpresa foi enorme para ambos, mas a felicidade não deixava de ser espelhada nos nossos rostos.Podemos se dizer que a minha gestação não foi algo lindo como de muitas mães, muito pelo contrário, em torno desses nove meses tive vários problemas relacionados a ela, inclusive inícios de aborto, e por causa desse e outros motivos, não teve um mês se quer que eu consegui dormir em paz, eu poderia perder a Cecília a qualquer momento, e o quão aquilo martelava na minha cabeça, não tava escrito. E foi ai que Kennedy mudou e se tornou outra pessoa em relação a tudo, começou a se afastar, a me evitar, parou de vim em casa com tanta frequência - mesmo eu não morando com ele, ele vivia mais aqui do que lá - ele não passou a fazer questão nem de mim, e nem dá sua filha e o motivo? Sempre a libertadores, como se eu, Mabel Ayanna, torcedora do Fluminense, que conhece o time mais do que si mesma, que tem relacionamento com ele há 3 anos, não soubesse que isso é só uma desculpa esfarrapada.
- mulher o quê que ouve aqui? - a Maria Júlia entra no quarto da Cecília me tirando dos meus pensamentos - meu irmão saiu daqui com uma cara de psicopata, tá tudo bem?
- tá sim, não se preocupa - não dou muita moral no assunto, não acho que estou opta pra falar sobre isso.
- vc tem certeza? Seu olhar tá meio triste, tenso sei lá - só assinto - tá bom então, mas cadê a Cicilia da titia? Ratinha, a titia já chegou - diz indo a caminho do berço e eu não consigo conter o riso.
- ratinha é seu.. - ela me interrompe.
- óia, sua filha tá no quarto, não seja suja nesse nível - diz rindo e eu jogo uma manta nela.
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Acabamos de chegar no Maracanã, tá até cheio, quantidade exata para um clássico, o camarote tá o de sempre, algumas mulheres de jogadores de um lado, outros são apenas alguns familiares, e algumas pessoas aleatórias em outra parte, mas nada de diferente, a não ser a Maria Júlia, que está a meia hora procurando um lugar exato pra sentar, os jogadores já estão posicionados para o jogo começar e nada dessa mina achar um canto, socorro.
- aqui, vamo sentar aqui, a vista é ótima pra ver o André aquele gostoso - diz vidrada no jogo.
- deixa só seu irmão ouvi isso - digo rindo e ela me acompanha.
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O primeiro tempo havia acabado, o Flamengo estava com vantagem, gol do arrascaeta no finalzinho, nos acréscimos pra ser mais específica, estávamos todos revoltados, dava pro Fábio ter pego aquela bola, mas mesmo assim a confiança em uma virada estava estanpada no meu olhar, já no da Maju era só ódio mesmo.
- eu vou matar o filha da puta daquele goleiro! Onde já se viu? Até eu pegava essa bola, FÁBIO MÃO DE ALFACE! - grita e todos ao redor olham pra ela rindo.
- meu Deus, Maria Júlia, que vergonha, para com isso! - puxo ela de volta pra arquibancada e ouço a Cecília resmungar - vamo comigo, pra área interna.
- pra quê? - diz confusa por não ter ouvido os resmungos.
- tem uma bezerrinha querendo mamar - digo levantando a manta que tampava o carrinho dela.
- vamo - se levanta - sabe, eu não julgo a Ceci, eu também tô morrendo de fome, nesse estresse precisamos repor nossas energias, não é mesmo titia? - diz pegando minha filha.
- até parece que ela te entende - reviro os olhos rindo.
- para de cortar minha onda, mal amada - manda língua e eu dou uma gargalhada indo em sua trás.
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