-- Mabel --
Andando atrás do Filipe enquanto ele conta algo sobre o que eu perdi nos últimos jogos que não fui, percebo o quão ele ignorou o ocorrido de meses atrás, o que me fez pensar também que a qualquer momento esse assunto pode vir átona, sei que ele não se ofereceu pra me dar carona só pra falar de futebol da mesma forma que eu sei que ele não culpa a bebida pelo perdido que o Kennedy me deu.
E é assim saímos, em um assunto leve, sem nos preocupar com os arredores e sem pensar na proporção negativa que essa conversa tomaria em questão de minutos. Só que não esperávamos que essa proporção viria quando a minha pele gelasse e minha visão ficasse turva ao ver o Kennedy adentrando o mesmo estacionamento que a gente, a confusão nos olhos dele me faz repensar cada passo que dei pra longe da Maria Júlia.
Não imaginei que ele sairia agora, não era pra ele sair agora, e o medo em meus olhos se sobressaltam sem que eu perceba, no momento em que ele chama o meu nome.
- onde vc tá indo? - sua voz soa mais próxima e como um borrão em minha mente, não sei dizer se essa é a primeira vez que sua pergunta é dita, mas posso afirmar que o tom raivoso que se faz presente nela claramente diz algo sobre, porém, acima de tudo e tendo a noção de que devo lhe responder, não consigo, não sai voz de minha garganta, eu não consigo formular uma frase em minha cabeça, eu estou com medo.
Eu estou com medo do cara que irá se tornar o meu marido.
- estávamos indo á sua procura - não sei se ele percebe o medo em meu olhar, mas a voz do Filipe sai firme como se aquela mentira não lhe afetasse em nada, ou como se ele pretendesse que nada daquilo fosse me afetar - na comemoração de meses atrás eu estava louco pra ter uma foto com vc, mas não te achei, daquele mês pra cá continuei tentando, mas como não obtia sucesso tive que apelar por uma ajudinha da sua mulher, que inclusive me disse que vc saia pelo outro portão, ou eu me enganei? - prossegue.
- Ret.. - o Kennedy diz com admiração, como se estivesse realizando um sonho, e eu sei que está, o Filipe sempre foi um ídolo pra ele, e eu estaria mentindo se dissesse que quando descobri quem ele realmente era eu não pensei em pedir um autógrafo pro meu parceiro porque sabia que ele era seu fã.
- eai, vc tem um tempo na sua agenda pra mim? - finalmente se afastando de mim a pergunta do Filipe soa mais controlada, fazendo o pai da minha filha assentir com um certo desespero.
- a chave do carro tá na minha bolsa, te vejo em casa, amor - e com uma aproximação inesperada que quase me faz recuar, ele deposita um beijo leve no topo da minha cabeça me entregando sua bolsa, e como se não tivesse mais nada de importante no mundo pra fazer, o Kennedy se afasta com o Filipe em sua trás, que me manda uma piscadela como se dissesse "vc me deve uma".
E até 100 se ele quiser!
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Como prometido, pela primeira vez desde que meus pais chegaram -eles já foram embora- o Kennedy realmente "me viu em casa". Depois de mais de quatro horas ele chega com seu sorriso de orelha a orelha e o seu cheiro de álcool puro, que faz o meu murchar.
- que lindo da sua parte me ajudar nos meus sonhos, princesa - a distância entre nós vai ficando mais curta a partir de cada passo que ele dá - não sei nem como te agradecer.
- vc sabe que não precisa disso, lindo, sua felicidade em primeiro lugar - digo apreensiva quando sinto sua mão em meu cabelo, com um toque consideravelmente leve.
- mas vc sabe quanto eu odeio não ganhar uma retribuição, que tipo de ser humano eu seria se fizesse isso com vc? - sua mão ultrapassa alguns fios de meu cabelo, chegando perto de minha raiz. Ao serem embolados entre os dedos recebo um puxão, que mesmo tendo a intenção de levantar meu rosto me faz gemer com o uso excessivo de força, só que não foi por uma sensação de prazer - é por isso que eu amo vc, vc sempre entende tão rápido.. - sua boca começa a deslizar do meu rosto para meu pescoço.
E eu só consigo me odiar por meu corpo ter dado essa brecha a ele.
- Kennedy não, por favor.. - mesmo com o medo se fazendo presente em meu olhar, não o demonstro em minha fala.
- amor - todos os pelos do meu corpo se arrepiam quando suas mãos ultrapassam o tecido da minha blusa e começam a subir em busca dos meus seios - eu não vou te machucar, só vou te satisfazer, é vantajoso pra nós dois - sua boca sobe novamente para o encontro da minha.
- mas eu não quero, Kennedy. - a firmeza em minha voz se faz presente novamente, como se nela tivesse a esperança de vê-lo parar ao perceber que eu não estava brincando, só que isso só faz eu me sentir burra, porque toda palavra que se quer fosse pensada em sair, é interrompida por uma sensação de ardência em meu ombro, me fazendo gritar ao perceber que fui mordida.
- não me faça estressar com vc Mabel, eu tô sendo calmo e prestativo, mas vc não está facilitando - diz beijando o local que acabou de marcar.
E é aí que abro mão de toda tentativa de debate, se eu me soltasse ele me segurava, se eu corresse ele iria me pegar, se eu escondesse ele iria me achar, se eu me afastasse ele iria me puxar e se eu lhe contrariasse ele iria me bater, tudo que eu tentasse fazer era em vão e antes que volte aos meus sentidos pós dor, eu já estou deitada sobe a minha cama conjunta com o berço da minha filha, o vendo me despir, e sem ao menos formular uma frase completa me surpreendo ao dizer:
- só não faça muito barulho, por favor, a Cecília tá dormindo.
E essa é última parte que eu me recordo daquela noite.
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