-- Mabel --
Acordei me sentindo um pouco zonza, abro meus olhos lentamente e percebo que não estou no meu quarto, estou no dá Cecília, que está dormindo ao meu lado tranquilamente, a tranquilidade que eu claramente queria.
Levanto o meu olhar para o nosso redor e acabo observando algumas mamadeiras espalhadas pelo quarto, algumas fraudas no trocador e alguns botões do body da Cecília abotoados ao contrário, algo que me deixou confusa, não me lembro de ter levantado durante a noite para trocar ela nem pra dá de mamar. Levanto com um pouco de dificuldade sentindo uma ardência na minha nuca que subia para a cabeça de tornando uma dor, insuportável por sinal.
Mas mesmo assim pego a minha filha em meu colo e a coloco em seu berço, ligo a babá eletrônica e saio do quarto em direção ao meu, pronta para me lembrar de toda merda que aconteceu ontem ao observar a bagunça que ele provavelmente estaria. Só que assim que entro lá me surpreendo, o quarto está completamente organizado, não tem um caco de vidro se quer espalhado pelo lugar, não tem uma gota de sangue perdida pelo piso branco, mas tem flores..
Havia vários buquês de flores, caixas de presentes espalhadas, blusas do Fluminense do meu tamanho e do tamanho da Cecília e alguma coisa escrita, era um me perdoe, feito por pétalas de flores brancas espalhadas pela colcha rosa clara que cobria a minha cama naquele mísero dia.
- não sabia que vc já havia acordado princesa - ouço uma voz masculina soar perto de mim e um corpo quente, quente o suficiente para me fazer arrepiar se aproximar.
Me viro rapidamente me assustando na mesma velocidade assim que percebo que aquela presença era do Kennedy, ele estava do meu lado, tão próximo ao nível de fazer a minha garganta travar.
- tem muito tempo que vc acordou? - assim que percebe o meu silêncio ele passa a mão sob os pontos que recebi no corte me fazendo contorcer com a sensação - tá sentindo alguma dor aqui? - ele pergunta descaradamente.
- sai de perto de mim - a minha voz falha, saí como um sussuro, mas estava alto o suficiente para ele ouvir com a proximidade que estava.
- Mabel.. - recua alguns passos e me vira para lhe encarar, seus olhos estavam inchados e vermelhos, suas olheiras estavam aparentes, perceptíveis o suficiente para serem notadas mesmo com a sua pele escura, provavelmente teve uma noite mal dormida, mas creio que preocupação não foi o motivo - desculp- lhe interrompo.
- sai do meu quarto, ou melhor, da minha casa - ele me encara com um olhar tenso, que estremece após minha fala - agora Kennedy! - concluo ríspida.
O mesmo desce suas mãos para meus braços e começa a acariciar os mesmos, como sempre fazia quando brigávamos ou quando eu estava ansiosa, com alguma crise, aquilo sempre funciova, sempre me acalmava, mas esse não era um daqueles casos, esse envolve coisas a mais, coisas as quais eu queria esquecer pelo resto da minha vida.
Porém não iria conseguir, nunca vou, e ele sabe disso.
Apesar de que não estávamos em uma boa fase da nossa relação eu não esperava aquilo do Kennedy, nunca nem se quer passou pela minha cabeça que um dia ele chegaria aqui em casa do jeito que ele chegou, que ele trataria a Cecília da forma que ele tratou - mesmo não tendo o devido afeto de um pai com ela, o mesmo nunca havia feito algo que pudesse lhe machucar - ou que ele iria surtar da forma que surtou.
Na noite anterior assim que tiraram ele de casa eu não sabia o que fazer, meu corpo travou, eu não conseguia me mexer, minha mente pesou, uma tristeza, medo e insatisfação tomou conta de mim, a minha garganta doia, a minha voz também não saia, eu não conseguia me expressar, não conseguia descrever o que eu estava sentindo, era um sentimento ruim, desconfortável, doía, doía muito mais do que o corte que estava jorrando sangue sob o meu pescoço. E mesmo querendo explicar o que aconteceu, mesmo querendo dizer tudo para a Maria Júlia que gritava várias e várias vezes me perguntando o que tinha acontecido ali e o porque daquela reação repentina do seu irmão, eu não conseguia lhe responder e eu acho que aquela bagunça falava por si.
Meu closet estava um estrago, mal se conseguia andar por lá descalça, as paredes estavam manchadas, por base, blush, de todo tipo de produto líquido que eu tinha, algumas gavetas estavam quebradas, roupas rasgadas e espalhadas por todo lugar, e eu confesso que na hora, no momento em que ele estava aqui, que a minha única preocupação era a minha filha, eu não havia percebido o quão problemático aquele espaço havia ficado, e aquilo me doía.
Doía bem mais do que qualquer dor sentida por mim. Eu não conseguia acreditar que aquele cara, o cara que foi tirado dali arrastado, quebrando coisas pelo caminho era o Kennedy que eu conheci, o Kennedy que estava comigo, o homem que eu havia escolhido para dizer o meu sim, o homem que havia me pedido em casamento a dias atrás, o homem que havia prometido o mundo, para mim e para o serzinho que foi fruto daquela relação, que havia feito promessas de amor, de futuro e de vida, o homem que havia dito coisas incríveis ao me pedir em casamento nessa mesma terça feira..
A 3 dias atrás..
Se passava tanta coisa em minha mente que eu me lembro bem de ter agradecido por elas terem sumido junto com a minha consciência na noite anterior, de acordo com as pessoas que estavam em meu redor eu havia desmaiado, me disseram isso quando eu acordei no hospital antes de ter pedido a consciência novamente, mas eu não me lembro daquilo, do nada tudo havia ficado preto, duas vezes seguidas e de repente chegou o hoje, me levantei no quarto da minha filha sentido uma ardência e alguns pontos na parte de trás do meu pescoço.
Mas se eu dissesse que eu não estava rezando mentalmente por aquilo eu estaria mentindo, tudo que eu mais queria era poder esquecer tudo, não ver o que provasse os fatos, e quando ocorreu, seja lá o porquê, eu agradeci. Agradeci junto com a escuridão que havia tomado conta das minhas vistas..
- não me faça repetir, ou vc sai daqui por bem ou vai sair com a polícia! - digo mais ríspida após sair dos meus pensamentos e o mesmo obedece e começa a sair do quarto, mas acaba parando no batente da porta.
- eu sei que vc quer me ouvir Bel, sua mente tá cheia e isso tá te impedido, mas vamos fazer assim - ele cruza os braços e me encara - assim que vc se acalmar eu te procuro tá?, ouve a minha versão das coisas, vc sabe bem que eu não fiz por querer, eu nunca te machucaria, Mabel, vc sabe disso, no fundo, mas sabe..
Lhe encaro com ódio no olhar, mas no fundo deles só tinha medo, uma garota com medo do seu parceiro, do parceiro que ela mesma escolheu, mas eu não iria deixar ele perceber aquilo, então eu aponto para a porta mostrando para ele a direção que o mesmo tinha que seguir para sair do quarto e do apartamento e é isso que ele faz, ele sai de cabeça baixa batendo a minha porta com força.
Ao ouvir aquele barulho eu senti um alívio ao perceber que ele não estava lá mais.
Mas aquela sensação de alívio sumiu minutos depois, por que eu desabo, caio sob a cama cheia de flores e choro, grito, colocando tudo que eu não pude colocar pra fora, jogando, espalhando, toda aquela merda que ele havia feito no meu quarto, naquele momento eu só queria tirar aquela angústia de mim, ou pelo menos esquecer a pior noite da minha vida.
|-----------------------------------------|