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Sair da terapia deveria ser algo terapêutico, libertador eu diria, até porque vc acabou de desabafar seus problemas com alguém que tem como intuito te ajudar, mas ao ver a cara da loira assim que eu sai de dentro do prédio, a sessão dela foi tudo menos terapêutica.
Eu não tinha ideia que fazíamos terapia no mesmo lugar, mas as minhas sessões costumam ser calmas, todas deveriam ser, mas a Ayanna claramente está em outro mundo, um mundo que talvez ela esteja lutando pra ignorar, mas parece que a psicóloga dela quer que ela faça tudo, menos ignore, agora ela está parada tem uns 10 minutos, reflexiva, e se não for chutar muito, eu diria que quem atendeu ela foi a Fernanda, aquela mulher é intensa, o que faz toda conversa com ela ser também.
Mas, como bom amigo que eu sou, porque não usar a oportunidade e chamar-la pra almoçar? Afinal ela precisa de ajuda, e eu claramente posso ajudá-la.
- que pessoa em sã consciência usa um consultório psiquiátrico como rolê de véspera de Natal? - digo ao me aproximar dela e rapidamente sinto seu corpo tensionar antes mesmo de me olhar, ela sabe que sou eu.
- me perseguindo Filipe? - pergunta, ainda sem olhar pra mim.
- para o seu azar o universo está ao meu favor - paro ao lado dela, que abre um pequeno sorriso.
Já posso considerar isso como um sim pro meu almoço?
- não sabia que vc fumava - diz com uma afirmação, o que me faz lembrar que a primeira coisa que eu fiz ao começar observa- lá, foi ascender um cigarro.
- e eu não sabia que vc fazia terapia - devolvo com outra afirmação.
- que ser humano não faz terapia em pleno 2023? - ok, ela ganhou essa.
- veio fazer o quê aqui? - tento mudar de assunto dando a volta pra conseguir olhar pra ela que nesse momento me encara com um olhar que diz "eu não acredito que vc está me perguntando isso" e pra ser sincero, nem eu acredito que perguntei isso.
Os efeitos que essa mulher me causa ainda vão me matar.
- pra se sincera eu não faço ideia - ela diz encarando o prédio, depois volta o olhar pra mim - acho que foi uma escolha muito contraditória pra um rolê natalino, e vc? - não consigo segurar a risada após sua pergunta finalizar.
- tô te perseguindo tem umas horas, mas como qualquer outro trabalhador, mereço uma pausa pro almoço, então pensei, porque não chamar o meu alvo pra almoçar comigo - agora é a vez dela de rir, e aquele sorriso me faz pensar várias coisas impróprias.
- isso é uma pergunta ou afirmação?
- se fosse pergunta, vc aceitaria? - ela dá de ombros - então é uma afirmação - me viro pra sair de perto dela, mas ela continua parada no mesmo lugar - vamos Ayanna, vc sabe qual é o meu carro.
Mesmo sem lhe ver sinto que um sorriso se formou em seu rosto, e rapidamente ela já está atrás de mim enquanto eu a espero com a porta do carro aberta.
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- vc não se incomoda em ser visto comigo? - essa é a primeira fala que ela direciona a mim desde que saímos do consultório, o que me faz estranhar já que sempre fomos muito comunicativos um com o outro.
- porque eu me incomodaria? - lhe respondo com outra pergunta, mesmo sabendo que na maioria das vezes ela não gosta disso.
Mas dessa vez ela não me responde de volta, a Ayanna apenas dá de ombros e volta a encarar a janela do carro, e o silêncio penetra o lugar novamente, até chegarmos no estacionamento do restaurante.