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De todas as poucas conversas que tive com Sayuri ao longo desses 10 anos, eu nunca a tratei da forma como a tratei hoje. Não que não a ache culpada pela morte de Sabito, mas porque não tenho o direito e chamá-la de aberração. A única coisa no mundo que considero uma aberração são os onis, mas ela não é uma Oni e também não pode controlar suas visões, pelo menos é isso que o Mestre Kagaya e o mestre Urokodaki me dizem ao longo dos anos.

Indeciso sobre o que fazer, decido voltar pra minha casa, pois não adiantará nada ir atrás dela, isso só causará mais brigas e mais palavras desnecessárias. Treino um pouco e recebo notícias de que o mestre Urokodaki já esta com os irmãos Kamado em um treinamento, então descanso, pois sei que mais tarde receberei novas missões, mas algo acontece, no meio da tarde um Kakushi aparece.

- O mestre Kagaya o espera.

Droga, já prevejo um longo discurso sobre empatia e perdão, pelo menos é o que eu esperava, mas a decepção é grande ao ouvir as palavras do mestre.

- Onde Sayuri está? - diante da minha falta de entendimento ele prossegue - Você foi o último a vê-la.

- Já fazem horas que eu a vi, depois ela saiu correndo e ...

- Vocês brigaram ?

- Sim e num momento de raiva acabei me excedendo e - suspiro.

- O que você disse a ela exatamente?

- Acabei a chamando de aberração.

O mestre Kagaya assimila a ofensa em silêncio, pra logo depois expressar sua decepção, isso antes de mandar os Kakushis reunirem todos os Hashiras. Quando estamos todos reunidos diante dele, ele profere nossa próxima missão.

- Sayuri foi embora e mesmo que entenda seus motivos, temo que esteja correndo riscos já que Muzan está atrás dela. A missão é encontra-la imediatamente, já que não faz muitas horas que ela se foi.

Ao receber as ordens cada pilar segue para uma cidade diferente, isso na intenção de acha-la com mais facilidade. Pra evitar conflitos, o mestre Kagaya me envia para a missão acompanhado de Shinobu para Asakusa em Tókio, o que deixa claro para todos que eu sou o motivo da partida dela.

- Então - Shinobu fala sem parar - não vai me contar o que aconteceu?

Percebendo que estou a ignorando ela é mais direta em sua pergunta, o que já esta me irritando profundamente.

- Pelo visto a briga de casal foi séria - a olho com raiva - Por favor - diz colocando a mão sobre os lábios - não me diga que você ...

Desvio meu olhar, pois me lembro do dia em que Shinobu e Mitsuri vieram falar comigo na tentativa de me fazer perdoa-la depois da morte de Sabito. Naquela ocasião Mitsuri me disse que Sayuri se sentia um monstro por ter esse dom dela, e Shinobu a corrigiu dizendo que a palavra exata que ela havia usado para se auto descrever foi aberração ao invés de monstro. Eu havia prometido que a elas que não contaria dessa confissão a ninguém, mas eu havia quebrado a promessa.

- Nestes 10 anos não teve um só dia que ela não tenha se culpado pela morte de Sabito. Ela também era amiga dele, ela também o perdeu.

Pela primeira vez paro para analisar a situação pelo olhar dela. Sim, ela e Sabito eram amigos, o que a faz ser ainda mais responsável pela morte dele. Antes que eu diga isso Shinobu continua, só que dessa vez com lágrimas nos olhos.

- Você usou um ponto fraco dela para feri-la. Acha que isso foi digno ?

Não, no fundo eu sei que estou errado, que fui errado em muitos aspectos mas eu não consigo esquecer daquela prova, daquele dia.

- Não espero que você entenda já que é frio e arrogante com a maioria das pessoas, então pelo menos tente pensar no que Sabito diria diante dessa situação.

Sabito, eu nunca pensei nessa situação pelos seus olhos.

- Pense em como ele ficaria chateado se soubesse que depois de sua morte seus amigos mais próximos não se falam mais, que eles se odeiam.

Provavelmente ele me daria um tapa pelo que fiz, ou pior, desistiria da nossa amizade.

- Eu não era muito próxima a ele, mas tenho certeza que ele te diria para seguir em frente, para perdoar enquanto se tem tempo, para amar antes que seja tarde demais.

Olho para Shinobu uma última vez antes de aumentar minha velocidade, pois eu tenho muita coisa pra pensar. Realmente Sabito me diria essas palavras, sem por nem tirar uma vírgula. Ele era a pessoa mais preocupada com a amizade de nós dois, ele era o cara que tinha o dom de estar por perto, mesmo que eu tivesse o ferido com meu jeito arrogante.

Penso em Sayuri, em como ela deve ter sentido a falta dele também. Me lembro das incontáveis vezes que a encontrávamos lendo sobre mediunidade, da insistência de Sabito para que fossemos ao campo de glicínias, pois ela adorava aquele lugar .

Enquanto penso inúmeras coisas, procuro por ela em cada milímetro da cidade em que estamos mas não a encontramos. Sei que ela não poder ter ido muito longe, que diferente de um caçador, ela não tem preparação física para percorrer uma distância elevada em tão pouco tempo. Então meu coração dispara. Será que ela esta perdida, machucada e ferida, ou pior, será que Muzan havia encontrado ela ?

Deixo meus medos de lado quando o corvo pousa no meu ombro.

- Os Hashiras já voltaram a mansão do mestre.

- E ela, já foi encontrada?

- Não, a essas horas ela já deve estar diante de um Oni.

A cada passo que dou no retorno até nossa vila, meu coração se despedaça. Não imaginei que doía tanto se sentir culpado por algo que não pude controlar. Então me sinto pela primeira vez no lugar dela, da culpa que carrega em suas costas por prever tantas mortes. Sei que depois desse episódio, eu nunca mais serei o mesmo, que pro resto da vida carregarei esse sentimento de impotência comigo, assim como carrego a morte do meu melhor amigo Sabito.

Demon Slayer - A história não contadaOnde histórias criam vida. Descubra agora