Capítulo 21 - Dor

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O sofá é espaçoso o suficiente para que fiquemos deitados juntos, com minha cabeça sobre o braço esticado de Lucas, minhas costas tocando seus peitos, que sobem e descem com a respiração lenta dele. Noto que ele encara o forro branco do teto, quieto, até que eu me movo para poder enxergar seu rosto por completo. Nesse momento ele sorri, me olhando em uma tentativa de disfarçar seja lá o que pensava, e leva a mão livre ao meu abdômen para me acariciar. Me provocando.

— Eu quero muito voltar a curtir um pouco você, mas... — noto seu sorriso se desfazer, e procuro as palavras certas para falar — você parece tá me escondendo algo e... não sei se isso é da minha conta, mas acho que você tá guardando só pra si e...

— Eu estava pensando na minha avó — ele me interrompe, baixo — ela faleceu há algumas semanas.

— O quê? — me movo um pouco, mas só o suficiente para encará-lo por completo, ele parece triste, mas não tanto, e me entristece não saber o quanto de dor ele está tentando manter para si — eu sinto muito, Lucas.

— É, eu também — ele soa natural, mas parece ceder um pouco e noto seus olhos marejarem.

Quando ele aproxima seu rosto de mim e beija a lateral de minha cabeça, eu me sinto confortável para abraçá-lo e fico satisfeito quando ele me envolve com seus braços. Não sei quanto tempo ficamos assim, mas o seu choro silencioso me faz pensar que mesmo que fiquemos por horas, ainda não será o suficiente para ele e, pela forma que me sinto nesse momento, para mim também.

— Por que você não me contou? — pergunto com ele ainda me envolvendo, sinto seu peito se erguer ao puxar o ar com força.

— Eu acho que... — ele solta o ar — não queria que isso atrapalhasse a gente — Lucas afrouxa o aperto em minhas costas.

Eu então me sento no sofá, e ele também o faz. Ficamos de frente um para o outro, comigo de pernas cruzadas entre as suas. Lucas força um sorriso, triste, e sei que está pensando bem no que falar. Então seguro suas mãos entre as minhas e as acaricio, na esperança de que isso o tranquilize, que lhe faça se sentir mais confortável.

— Eu não queria que você ficasse comigo por pena ou algo assim, achei que fosse pensar que eu só estava carente ou me sentindo sozinho.

— E você tá se sentindo sozinho agora? — ele ergue o olhar e percebo que teme estar certo no que acabara de falar — isso não vai mudar nada entre nós, Lucas, eu só quero saber como você tá.

— Sim — ele volta a baixar a cabeça, encarando nossas mãos unidas — Não sozinho, mas eu sinto um vazio grande desde que ela me deixou.

Não posso e nem consigo dizer nada, não por medo de falar algo errado, afinal tenho certeza de que só posso imaginar a dor e o vazio que ele sente, mas por saber que nada que eu fale vai ser o suficiente. Só posso ficar ao seu lado e, talvez assim, ele possa se sentir bem em dividir comigo um pouco de sua dor. Me tranquiliza um pouco quando ele o faz.

— Eu a encontrei sem respirar na cama naquele dia... — Lucas voltou a falar — depois que deixei a Luisa em casa, e eu fiquei desesperado. Minha avó já não era nenhuma jovem, mas tampouco era frágil, ainda assim quando senti que ela não tinha pulso, sequer tive coragem de fazer uma massagem cardíaca — Suas mãos estão frias, talvez suadas demais, mas não às solto, na verdade as seguro com mais força — Quando os paramédicos chegaram, eu estava paralizado, não lembrava sequer de ter ligado para eles nesse meio tempo... — ele engole em seco, completando com calma — eles conseguiram reanimar ela e fomos para o hospital.

Sinto meus olhos encherem de lágrimas ao imaginá-lo durante o que aconteceu. O Lucas grande, forte, confiante e independente que eu conheço tomado pela dor de encontrar sem vida a única família que tinha — ao menos, que eu saiba. Mas eu precisava me manter firme por ele, então fecho os olhos, forçando as lágrimas a se esconderem, e volto a mirá-lo, ainda cabisbaixo.

— Vovó teve uma parada cardíaca, ficou quase uma semana inteira entubada, mas ela era teimosa e acabou voltando para mim — vejo uma lágrima cair no sofá, mas ele continua falando — eu nem precisei contar pra ela que era gay, quando fui fazer isso, ela apertou minhas mãos — ele tirou as suas debaixo das minhas e depois as segurou, como eu o fazia antes — e disse que sabia, que o coração dela sempre teve esperanças de que eu me permitiria ser feliz de verdade. O sorriso dela era tão bonito que eu prometi a mim mesmo que nunca ia fazer com que ela deixasse de sorrir daquela forma — ele fez uma pausa, um sorriso triste tomou seu rosto — na manhã seguinte quando acordei ela tinha partido.

Lucas ergue o olhar para mim e desmorona. Seus olhos praticamente se fecham e lágrimas começam a descer pelo seu rosto quando eu o puxo novamente para mim e o abraço. Me aperta o peito vê-lo assim, triste, exausto, e senti-lo soluçando em meus braços faz com que eu queira assumir todas as suas responsabilidades para que possa descansar, faz com que eu queira protegê-lo, a todo custo, mas acima de tudo, me faz saber que eu quero estar ao seu lado mesmo que eu não possa fazer nenhuma dessas coisas. E é estranho pra caralho me sentir assim com alguém que praticamente acabei de conhecer.

Algum tempo depois, com ele se acalmando em meus braços e eu me permitindo fazer o mesmo, Lucas se afasta um pouco, me deixando olhar em seus olhos. Eu seguro seu pescoço e acaricio seu rosto, bem próximo ao meu. Ele esboça um sorriso quando eu sorrio para ele. Ele é lindo.

— Sinto muito que tenha sido obrigado a ser forte todo esse tempo... sozinho — suas mãos cobrem as minhas e ele fecha os olhos — mas eu tô aqui agora e quero que você saiba disso. Tô do seu lado pra sentir com você toda sua alegria e toda sua dor, me ouviu?

Os lábios de Lucas voltam a desenhar um leve sorriso, então ele acena devagar para mim. Penso em dizer que o amo, mas por mais que eu realmente me sinta assim, não quero que pense que eu falei para confortá-lo, por isso eu o beijo.

E meu peito se aquece quando nossos lábios se encontram e se movem, sincronizados, com desejo, ao mesmo tempo que pacientes.

— Dorme aqui comigo hoje? — ele sussurrou com seus lábios bem próximos aos meus.

O grave de sua voz e os olhos escuros sobre os meus me dominam. E eu não precisava de mais nada para que me convencesse a ficar. Ainda assim, ele volta a me tocar delicadamente com os lábios, primeiro um selo rápido na boca, depois na bochecha direita, então na esquerda. Porra. O sorriso bobo que me escapa também o faz sorrir e isso é o suficiente para que ele se levante e me guie até seu quarto.

A Liberdade de Davi (Romance Erótico)Onde histórias criam vida. Descubra agora