CAPÍTULO CINCO

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"Sim, eles sabem que você se feriu outra vez
Decadência não é facil, não é mesmo?"
- Decadence, Disturbed. -

°°°°°°

Alina podia ouvir o ressoar da água caindo metros antes do grupo chegar à beira da cachoeira, um reflexo da lua observando os da superfície enquanto contornavam as pedras da borda, com os dedos de Olívi ainda nos seus e Alina não conseguia pensar em nenhum outro momento em que estivera tão calma nos últimos oito anos. Eles passaram por detrás da queda d'água e algumas gotas respingaram em seu braço, geladas, ardentes, como tudo mais naquela cidade.
Mas esse pensamento súbito desapareceu quando eles se acomodaram na pequena caverna, o barulho da água abafando os sons das pessoas amontoadas e o guia fez sinal para que continuassem, dirigindo-se para os fundos da caverna onde um lance de escadas descia para o breu, e ladeando a entrada, duas mulheres de vestidos longos e elegantes, os cabelos cascateando nas costas e sorrisos nos rostos estavam erguendo o dedo conforme as pessoas passavam, desenhando algo com tinta branca na bochecha dos turistas que reluzia na escuridão parcial das Pedras que os rodeavam.

Enquanto isso, do lado de fora, a sombra permaneceu parada, incapaz de acompanhar sua garota pois não podia pisar em solo sagrado. No entanto, aquilo seria por pouco tempo, daqui à alguns minutos se tudo ocorresse bem.
A sombra estremeceu com uma risada, sentindo-se levemente mais espessa, seus contornos mais nítidos, o bastante para que a criatura recuasse e se escondesse atrás das árvores junto das outras sombras que gargalhavam, mal contendo a sede que inundava seus membros fantasmas.

Alina se aproximou e deixou com que uma das mulheres pintasse sua face, uma estrela Branca em sua bochecha que pinicava contra a pele dela, mas não ligou para isso. Se importou mais com o fato de que, diferentes das vezes anteriores em que uma estrela fora pintada em sua bochecha, dessa vez Alina não sentiu nada além da já estabelecida esperança. Nada de gratidão, euforia ou a fé infantil que ela esperava.
Então ali estava, a diferença que ela temia sentir quando fosse até lá,a falta da certeza que tinha esperança de não ter perdido.

- Que seu trajeto seja Pacífico e sem obstáculos, pois o espírito da floresta sempre o guiará, desde que você saiba aonde quer chegar... - a mulher sussurrou no pé do ouvido de Alina e lhe entregou uma vela antes de se virar para a próxima pessoa da fila.

E enquanto descia o lance de escadas com uma vela na mão e os dedos entrelaçados de Olivi na outra, Alina não conseguiu reprimir o gosto amargo no fundo da garganta do ressentimento, e aos poucos até a esperança que formigava dentro dela e enevoava sua mente foi se desprendendo a cada degrau. trajeto pacífico e sem obstáculos... no mínimo irônico considerando as circunstâncias em que elas se encontrava.
Mas, segundo as crenças, o espírito da floresta só não havia correspondido suas preces, só não estava guiando a naquele momento porque ela não sabia aonde queria chegar.

Alina fechou os olhos por um segundo, imaginando a grande metrópole surgindo à frente dela com suas oportunidades convidando-a para entrar enquanto o resto das pessoas estavam ocupadas demais vivendo seus próprios sonhos para se importar com a ruína da família Stephens, com a mãe instável de Alina ou com o quê ali na tinha feito para acabar ali.
Sim... ela sabia exatamente aonde queria chegar, aonde estaria em pouco tempo se nada saísse do seu controle.

O grupo prosseguiu por longos minutos assim. Para baixo, para baixo e para baixo. Até que o som de água correndo começou a preencher as paredes, quase inaudível no início, mas o som foi aumentando e logo Alina estava prendendo o ar, receosa, temendo qual seria sua reação depois que os batentes acabassem e ela se encontrasse nas capelas após tantos anos.

Eles atravessaram o corredor estreito, o barulho aumentando nas paredes e o frio se decipando de repente, dando lugar a um calor aconchegante e bem-vindo assim que entraram no amplo salão, acompanhados dos suspiros de assombro coletivo que se seguiu. Alina tentou não mostrar tanto fascínio, tentou até mesmo encarar o chão ao invés de seus arredores, mas era quase impossível com a admiração das outras pessoas ao redor de si e a própria Olívi, que encarava abismada, compartilhando do maravilhamento dos outros, mas que certamente Alina não compartilhava.





Alina não conseguia sentir muito mais do que o desconforto que o lugar trazia as suas memórias, as lembranças de ficar ali por horas para fugir do frio de Darkfalls, de ficar de joelhos e implorar por algo que ela esperava até aquele momento. Contudo ela cometeu o erro de olhar para Livi naquele segundo, o rosto com torcido em descrença e o queixo caído, retribuindo o olhar de Alina Como se quisesse uma confirmação de que aquilo tudo era real, e Alina se viu lutando contra algo que lhe pressionava na boca do estômago, exigindo que ela fizesse aquilo só durante aquela noite, só mais um sacrifício pequeno em comparação aos que ela vinha fazendo.
Então Alina perdeu aquela luta e se obrigou a sorrir, acenando de leve em confirmação para a irmã e se virando para fingir observar as paredes que pareciam ter sido cobertas do chão ao teto com pele de cobra, mas Alina nunca tivera coragem de tocar para confirmar sua suspeitas.

Ela sabia que não seria impossível se fossem mesmo couro de cobra, do mesmo jeito que sabia que se esticasse o pescoço para trás, veria no teto uma série de pinturas detalhadas que contavam a história da garota serpente: a paixão; o casamento; o altar com apenas uma noiva e um precipício; tudo tão fresco na mente de Alina que ela se recusava a fazer aquilo consigo mesma. mas também achava que não aguentaria olhar para a irmã de novo e ver o fascínio estampado nela sem expressar o misto de raiva e frustração que ela sentia estando ali.

Em vez disso, voltou a atenção para o meio da capela e lá estava ela: a pele de mármore perfeita e os olhos azuis surreais encarando o nada com um ar calmo, o cabelo loiro caindo sobre um dos ombros em cachos e o vestido azul ondulado até o piso, passando uma imagem de calma até que o vestido terminasse aos pés da garota, onde uma serpente imensa se enroscava e descansava a cabeça rêptiliana em uma das mãos delicadas da garota, transformando o ar sereno de antes em um ar imponente, algo que pelo que parecia nunca iria deixar de tirar o fôlego de Alina, não importasse quantas vezes ela visse aquela representação.

Atrás da estátua Um altar se erguia, com os degraus cor de vinho chamando-os para subir e entregar suas oferendas sob um lustre transparente pendurado no teto, balançando lentamente e fazendo um som delicado, tranquilizando-os apesar de todos os indícios de perigo diante deles.
Alina se lembrava dos boatos de que aquele lustre era feito de cristal e de que o altar escarlate era inteiramente feito de rubis, e até aquele momento Alina tinha suas dúvidas quanto, mas também se lembrava da dor que subira por seu braço quando ergueu o machado acima da cabeça, aos 14 anos, e quando desceu a arma com toda a força até o primeiro degrau, pontos brancos surgindo em sua visão enquanto as lágrimas escorriam.

E apesar disso, não foram o suficiente para que ela desistísse. observando o lustre balançar naquele instante, ela se recordava bem de todas as vezes em que batera nele com o machado, chorando e gritando a cada machadada, mas o lustre não se movera nenhum centímetro, e para a frustração dela nenhum cristal caiu do teto.

A cidade das Lendas. (Darkfalls Número 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora