CAPÍTULO SETE

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"O olhar de um estranho que viu demais
Nada vem de graça, mas você pode pagar com o seu coração
Se você tiver um".
- Trastevere, maneskin. -

°°°°°°

- Por que está me olhando desse jeito? - ela não pretendia soar tão ríspida, mas não se importou com seu tom enquanto tentava detectar algum traço de emoção na expressão dele em meio ao escuro.

- De que jeito eu te olho? - ele rebateu a pergunta e Alina só pôde captar o sorriso presunçoso de dentes brancos que cintilaram na escuridão.

- Como se quisesse me devorar. - ela respondeu e capitou o brilho branco de um sorriso novamente, o que a fez cogitar se não estava sendo ridícula discutindo com um estranho enquanto o grupo se distanciava deles escada abaixo.

Olivi... Ela se xingou por perder a irmã de vista e se virou para continuar a descer, dois pares de sapatos ecoando em seu encalço.

- Talvez seja porque eu queira te devorar. - a voz do desconhecido flutuou até ela, corando suas bochechas de novo e Alina agradeceu por estar incoberta pelo escuro.

Um murmúrio irritado se fez ouvir atrás dos dois e eles pararam, um garotinho se espremendo por entre eles para descer a frente de Alina e ela prendeu a respiração para permitir que o garoto passasse por ela sem que ela encostasse no corrimão . Quando o garotinho passou as pressas, A chama da vela de Alína iluminou cachos loiros e olhos verdes antes dele sumir no breu, se juntando aos outros mais abaixo.

- Você costuma dizer que quer devorar garotas que não conhece na frente do seu irmão mais novo? - Alina continuou descendo enquanto a risada divertida dele acompanhava seus passos, e por algum motivo aquilo fez uma sensação agradável nascer na boca de seu estômago. Por que ela estava satisfeita em fazer aquele garoto rir? Mais uma vez, ela não sabia responder.

- Ah, não... Ele está acostumado a me ouvir dizer que quero devorar garotas que normalmente eu já conheço. - Alina quis retrucar com algo igualmente sarcástico, Mas perdeu a capacidade de falar por alguns segundos quando os degraus chegaram ao fim de repente e ela se viu em um salão amplo, congelante e escuro apesar da lua cheia que reluzia acima dela, apesar de que não deveria haver uma lua estando ela tão abaixo da terra.

Alina estacou no lugar, em Pânico durante aqueles segundos em que não conseguia falar. Até que a facada nas costas a fez despertar do torpor com uma dor lancinante.

Alina levou a mão até as costas, sem ar, mesmo sabendo que não encontraria nada ali. Não havia levado uma facada, não de verdade, mas a sensação que tinha era exatamente essa.
Ao se deparar envolvida por aquele frio intenso, sob a lua realista demais ilustrada no teto e a estátua de quase 3 m diante dela, era impossível não lembrar do pai.

Na maior parte do tempo ela ansiava por aquilo, apesar de já ter aceitado a morte do pai há anos, sempre que um vislumbre de uma lembrança pairava em sua memória Alina se agarrava a aquele frágil pedaço de sua vida que não voltaria a fazer parte dela. Porém, naquele momento, as memórias que aquela capela trazia bateram nela como uma onda, desequilibrando-a e fazendo a dor que sentia ser tão segante que Alina quase se partiu ao meio.

- Você está bem? - uma mão segurou seu ombro com firmeza, como se soubesse que Alina estivera prestes a se quebrar em dois.

- Estou... - Alina tentou responder, mas sua voz saiu como menos de um sussurro, e ela fechou os olhos em uma tentativa de controlar a enxurrada de memórias que há pegaram desprevenida.

- Não parece. - o garoto murmurou e tirou a mão do ombro de Alina com relutância, o olhar antes irônico e divertido sobre ela agora era apreensivo e tenso.

- Eu estou bem. - ela afirmou novamente, porém seu tom indicava que aquelas palavras eram mais para si mesma do que para o garoto.

Ela respirou fundo, inspirando o aroma de chuva, sal e sempre tinha aquilo que Alina nunca conseguia identificar. Tomou coragem para abrir os olhos de novo e deixou-os engolir cada centímetro daquele templo como se ela nunca tivesse estado ali, como se as lembranças dos seus melhores dias não tivessem sido naquele salão de pedra sombrio, hipnotizante e questionável.

Além da lua cheia acima dela, haviam outras pinturas da Lua em diferentes fases e cores espalhadas pelo teto, iluminando o espaço com um brilho fantasmagórico que lançava sombras dançantes nas paredes de pedra, estas cobertas com desenhos escuros de bocas arreganhadas com dentes à mostra e pares de olhos que davam a impressão de observar quem passasse por perto. Junto com os desenhos que sombreavam as paredes tinham os quadros posicionados em ordem cronológica, pinturas narrando a história do nascido da Lua, que foi sentenciado pela lua ao não saber lidar com uma benção após o luto.
No meio do salão, logo à frente das fileiras de bancos de pedra também cobertos pelos desenhos das paredes ficava a representação do mito, o corpo de três metros totalmente prateado e completamente nu, de aparência selvagem com cachos negros desgrenhados sobre o rosto, a boca escancarada com presas afiadas para fora dos lábios e os olhos de um azul sobrenatural virados para cima, onde a lua cheia permanecia indiferente.

Aquela era a lenda favorita do pai de Alina, ele costumava dizer que aquela história falava sobre fazer boas escolhas independente da situação, nunca perder a cabeça e sempre pensar com cautela antes de agir. Era isso o que ela vinha fazendo desde que Jason se fora, por mais que nunca tivesse entendido por inteiro o porquê das pessoas encararem aquela lenda como um exemplo para tomar boas decisões. Alina encarava aquela história como nada além de um conto sobre alguém que perdera tudo, pedira a coisa errada na hora errada e no fim fora punido por tomar uma única decisão equivocada.

No entanto ali estava ela, no meio do santuário desse mito com o seu símbolo no pescoço e reagindo como se ainda se importasse com aquelas lendas, Como se ainda acreditasse nelas.

A cidade das Lendas. (Darkfalls Número 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora