Prólogo.

135 29 113
                                    

Tic tac, tic tac, tic tac...
O ponteiro se mantinha em um ritmo constante, saltando de um segundo para o outro e preenchendo o ar com seu tic tac ininterrupto;  o vento levava o eco do tic tac corredor afora, passando pelos desenhos coloridos que se soltaram da parede e caíram no piso de pedra, eles se arrastaram atrás do vento e do eco do tic tac, até que as folhas de papel prenderam-se nas flores do jardim, o vento parou, mas o tic tac continuou.

Ele anunciava os minutos, as horas, os dias; mas apesar do aviso insurdecedor tic tacando em seus ouvidos, eles seguiam como se não o escutassem;  então o tic tac também seguiu anunciando as semanas, os meses, os anos... O tic tac ficou cada vez mais rápido até que parou, flutuando em meio ao tempo, quando a sombra surgiu.
Parecendo ter saído da terra onde não havia nada antes. Contudo, a terra não seria capaz de criar uma criatura daquela:  a terra cria cor; cria aroma e sabor; a terra gera vida, tudo o que aquele espectro certamente não era.

Pois era tudo e nada ao mesmo tempo; não era vida, mas também não era a morte; não era sólido, mas também não era líquido nem vapor; no entanto ele tinha forma: pedaços escuros que se juntavam e moldavam uma figura fina, alta e semelhante a um ser humano, por mais que nenhum ser humano se assemelhasse a algo como aquilo.

A criatura andou e a folhagem sob seus pés morreu, as flores murcharam e do solo brotaram ervas daninhas que se ergueram e tentaram agarrar os pés da morte que não era a morte,  em vez disso atravessaram o fantasma e acabaram por se enroscarem umas nas outras. A sombra observou a cena e estremeceu com uma gargalhada silenciosa, escorregando sobre os degraus da frente e atravessando a varanda, sua forma ondulou quando passou pela madeira da porta e pousou dentro da casa. Agora, o tic tac era substituído pelo som de respirações calmas e o farfalhar de lençóis.

E naquele mesmo momento, longe... Bem longe dali, um coração que pertencia àquela casa batia pela última vez, e enquanto isso ali... Bem ali, com a respiração presa na garganta e pressionada contra a parede, a palidez da garotinha só se intensificou quando o ser de escuridão se virou e encarou-a com seu rosto sem boca, sem nariz e sem olhos, apenas duas órbitas vazias que a mantinham presa no lugar,  com seus olhos azuis arregalados e os pelos dos braços eriçados, a respiração ainda pausada, nenhum movimento visível.

A coisa estremeceu com uma risada muda mais uma vez, suas partes vibrando tanto que aos poucos começaram a se desprender, logo parecendo nada além de fumaça, que se expandiu e escorreu para dentro das paredes,  do chão e dos móveis, até que tudo estivesse zumbindo ao redor dela.

Tentáculos de breu também se aproximaram, prontos para agarrá-la e afundar nela do mesmo modo que faziam com o resto da casa. Ela sentiu quando as sombras forçaram sua pele e quando um frio penetrante acariciou seus ossos,  sentiu o cheiro podre que a névoa emanava, sentiu-se entregue, o pânico se esvaindo e a mente quieta. Nada além do silêncio... Silêncio... Silêncio...

E...

Tic tac, tic tac, tic... Tac...

A cidade das Lendas. (Darkfalls Número 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora