CAPÍTULO ONZE

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"Não posso acreditar nas notícias de hoje
oh, não posso fechar os olhos e fazê-las desaparecer
por quanto tempo, por quanto tempo teremos que cantar esta canção?
por quanto tempo? por quanto tempo?"
- Sunday blood sunday, u2. -

°°°°°°

Alina se inclinou sobre o tablet, os olhos concentrados na notícia em negrito na tela e a maçã esquecida pela metade na mão. Ela demorou um minuto para assimilar as informações e logo em seguida pulou de cima da mesa, jogando a fruta na pia e se apressando até o quarto.

Ela se vestiu e se ajeitou o máximo que pôde, tendo em vista que ficara o resto da noite passada andando de um lado para o outro até que o sol nascesse, E então esperou com o tablet sobre o colo, roendo as unhas no aguardo de uma notificação da casa Fox, que só apareceu uma hora depois.

Alina arrumou o café da manhã para a mãe e sua mesa de cabeceira antes de sair, mesmo presumindo que Thalia não comeria nem um terço daquilo, a culpa por ter explodido com ela era pesada demais para Alina sair de casa sem deixar ao menos um bilhete avisando sua partida.

Ela estava ciente de que sua mãe nem sequer ouvira suas palavras mesquinhas, Mas de qualquer forma Alina se sentia mal em pensar no que dissera, quão insensível ela fora com a situação da mãe.

Após a morte de seu pai, elas sobreviveram durante dois anos com as economias deixadas por Jason e o dinheiro que a família governante os deram como recompensa, e em todo aquele tempo foi como se Alina assistisse a mãe recuar para longe dela e de Olivi cada vez mais, presa a morte de Jason até que a situação fosse tão preocupante que Talia precisou de tratamento médico, tratamento esse que vinha arrancando o dinheiro delas desde então e que fazia com que Thalia dormisse a maior parte do dia.

Fazia anos que ela não tinha uma conversa de verdade com a mãe, tanto tempo que às vezes custava a se recordar da voz dela. Contudo ela tinha memórias demais com a mãe para se esquecer completamente, diferente de Olivi, que mal se lembrava de ter tido uma mãe que não dependesse de remédios, que não andasse pela casa como um fantasma instável.

Alina trancou a porta e enfiou a chave embaixo do degrau da varanda antes de adentrar a rua, o vento congelante corando suas bochechas e balançando a trança cuidadosa que caía em suas costas, nem um fio ruivo escapando daquela vez. Não era só ela que saía de casa. As pessoas saíam de todos os lados com um ar inquieto de quem não havia pregado os olhos naquela noite.
Todos estavam cuidadosamente vestidos como Alina, o mais apresentáveis que conseguiam aparentar com suas camadas de roupa Extra, jaquetas de couro gastas e botas até o joelhos.

Seguiam na mesma direção assim como na noite anterior, e aquilo mergulhou Alina em um dejavú que revirou seu estômago parcialmente vazio.

Ela enfiou as mãos nos bolsos da calça grossa e uma delas segurou o vidro frio da tela do celular, obviamente o celular que não era o descartável, o que não era entregue a todos os habitantes, o que não a condenaria a cadeia para o resto da vida para variar. Só o fato de ter mais de um aparelho eletrônico do que a lei permitia já era um risco grande demais, carregá-lo então, onde um oficial poderia pará-la para lhe revistar era praticamente suicídio.

Ela avistou os oficiais em guarda nos portões da casa Fox alguns metros antes de pisar na grama bem cortada e imediatamente direcionou os olhos para o chão, não esboçando nenhuma reação quando os homens apararam na entrada e a levaram até duas soldadas mulheres, que a inspecionaram e a liberaram para entrar quando se convenceram de que Alina não era um perigo.

Chamar aquele lugar de casa era um eufemismo, já que a mansão tinha mais de quatro andares e provavelmente se estendia até o subsolo também, com certeza só o comprimento do jardins era maior do que o dobro da casa de Alina. Os boatos diziam que o prédio que residia a família Fox era contemplado à quilômetros de distância quando os turistas chegavam em suas carruagens, mas Alina nunca tivera a oportunidade de comprovar por si mesma.

Na verdade, o que ela mais queria era fazer o trajeto oposto, se distanciar até que a casa Fox fosse apenas um ponto insignificante e contemplar outros portões de entrada, portões que garantiriam um recomeço e oportunidades justas para elas.

Entretanto mesmo antes de Olivi desaparecer aquele sonho era quase inalcançável para Alina, tendo em mente que precisaria de muito dinheiro para construirem uma vida nova na Grande metrópole e que em contrapartida, os gastos que ainda tinham que arcar em sua situação atual era de um desequilíbrio discrepante com aquele sonho.

Agora, com Olivi podendo estar em qualquer lugar que não fosse a casa delas, Alina sentia que seus objetivos nem eram mais tão importantes assim, que talvez fosse melhor esquecê-los e aceitar a vida que tinha.

Mas havia uma parte dela, minúscula e encolhida dentro de si, que pulsava ao imaginar a vida que poderiam ter caso conseguissem dinheiro o bastante, ainda havia um vestígio de esperança palpitando dentro dela.

A raposa de pedra empoleirada nos degraus após os portões guardados por oficiais fardados de preto e branco a encarou enquantoEla seguiu os criados que guiavam a fila única em que ela se encontrava, as botas batendo no carpete cor de vinho aveludado, apagando suas pegadas úmidas e envolvendo-os em um calor que os fazia suar sob as roupas pesadas, o frio que lhes batia os dentes esquecido naquele conforto pouco familiar.

Eles foram instruídos a aguardar sentados em poltronas macias assim que entraram na sala, acomodada com fileiras e fileiras de poltronas viradas na direção de um púlpito, separado por uma cortina leve que oscilava quando passavam por ela.

Alina se endireitou em uma poltrona nos fundos, as costas cansadas relaxando involuntariamente no encosto acolchoado, os olhos fechando antes que ela pudesse impedir e o peso das horas em claro avançando sobre ela, desorientando sua cabeça cheia de preocupações e emoções confusas.

Um som agudo guinchou pela sala e Alina arregalou os olhos, os músculos se tencionando e as imagens do que tinha acontecido da última vez que fechara os olhos rastejando em sua mente, e um calafrio lhe percorreu a coluna.

O som estridente não passara do microfone sendo conectado, mas pelo que parecia ela não fora a única a cochilar e despertar já de punhos cerrados, os olhos disparando pelas fileiras de assentos em busca de algo contra quem lutar.

Não havia nada. Nada além de lembranças ainda muito recentes do mundo sacudindo em sua volta, destroços despencando sobre eles e o desespero de quando acabou, a confusão, o desamparo e a humilhação, tudo em uma só noite.
Alina ainda podia sentir pedregulhos presos em sua pele mesmo depois de horas se esfregando embaixo da água, ainda parecia engasgada com a poeira e com certeza continuava sentindo as dores em todos os lugares de seu corpo, dores que naquele momento não eram nada para ela.

As cortinas a frente deles oscilaram uma última vez e finalmente se abriram, revelando o microfone preso em um suporte e atrás dele Um telão que piscou, piscou e piscou até exibir 7 fotos em ordem de tamanho, o título escrito em letras garrafais e vibrantes acima delas.

"VÍTIMAS DA NOITE DO DIA 25 DO OITAVO MÊS DO TERCEIRO SÉCULO APÓS O CAOS"

A cidade das Lendas. (Darkfalls Número 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora