"Estou acordando em cinzas e pó
Limpo minha testa e transpiro minha ferrugem
Estou respirando as substâncias químicas
Estou invadindo, tomando forma".
- Radioactive, Imagine Dragons. -°°°°°°
Diferente de quando ela caiu naquele estado inconsciente, seu despertar não foi nada semelhante. Alina acordou com a mente a mil, o coração disparado e sem nenhum lampejo do cansaço que sentira antes, mas continuava esparramada no mesmo lugar, na mesma escuridão apesar de não haver silêncio ali.
As pessoas ao redor dela também despertavam, apenas cochichos confusos no início até que as vozes voltassem ao caos, gritando e chamando por nomes, vozes assustadas andando em círculos na destruição em busca da saída.
- Livi! - Alina gritava também, tatiando o chão coberto por poeira e pedregulhos ao seu lado, porém seus dedos não encontraram nada além daquilo.
- Livi! - ela ficou de pé, o corpo todo ainda tremendo e as mãos espalmadas a frente procurando algo para se guiar, procurando por mãos pequenas e por cachos rebeldes escondidos por um chapéu de serpente, porém mais uma vez não achou nada.
- Olivi! - o pânico em seu estômago empurrava o coração até sua garganta e dava a impressão de querer sair por sua boca conforme ela berrava, sua voz sumindo Em meio às outras que chamavam por pessoas que não correspondiam seus gritos.
- Olivi!! - a garganta dela estava seca e ardia a cada grito, doendo pelo esforço de gritar e pelas lágrimas que umedeciam o canto de seus olhos.
- Olivi!! - suas mãos estendidas esbarravam em ombros e costas enquanto ela tropeçava nos destroços, mas tudo o que importava era que nenhum daqueles ombros ou costas eram Livi, e Alína sentia como se fosse capaz de se juntar aos destroços no chão caso não a encontrasse.
- Olivi!! - uma mão agarrou a sua e ela pulou para trás, mas a mão não largou a dela e a puxou para perto, dissolvendo os pensamentos de Alina ao imaginar que fosse Olivi assim que a pessoa entrelaçou os dedos nos dela, pois aquela mão era muito maior do que a de Alina. Era fria, firme e macia contra a dela que suava e tremia.
- Por aqui. - a mão a puxou até um corredor escuro e soltou seus dedos para pôr a mão gelada em suas costas, empurrando para que Alina fosse a frente e ela seguiu tropeçando nos degraus, se apressando conforme o som de passos aumentava atrás dela.
- Mas Olivi... - sua voz saiu fraca e estremecida, tão baixa que Alina não esperava que ele escutasse, não esperava sequer que se importasse uma vez que Olivi não era nada para aquela pessoa. Mas estranhamente a palma fria na base de suas costas pressionou com mais força quando ela falou, impedindo que Alina parasse ou desse meia volta.
- Ela vai ficar bem. Vai estar lá em cima... É só continuar subindo. -
E foi isso o que ela fez. Não perguntou como que ele poderia saber daquilo, não protestou quando os degraus acabaram e Alina sentiu cheiro de areia e água doce, não protestou quando ele a direcionou para outra escada mesmo estando escuro demais para enxergar qualquer coisa dois passos diante dela. Ela continuou subindo e subindo sem dizer nada, em parte porque queria acreditar no que ele dizia com todas as esperanças que lhe restavam, e em parte porque detectara no tom de voz do seu guia o pânico que ela sentia, como se ele também precisasse acreditar que alguém o aguardava lá em cima para continuar subindo.
Entretanto as escadas chegaram ao fim, o som daquéda dágua preencheu o ar e ninguém os esperava lá em cima.
Ninguém além das sombras, dos berros ao longe e de mais destroços espalhados pelo chão.
Alina correu pela trilha, onde não haviam mais velas iluminando o caminho e a mão em suas costas sumira. e só então ela percebeu que Christopher corria ao seu lado, o rosto encoberto pela noite e o som de sua respiração ofegante abafado pelas pessoas que corriam atrás deles, de modo que apenas Alina podia ouvir as arfadas trêmulas dele, apenas Alina estava perto o bastante para enxergar seus olhos, agora não mais famintos e brincalhões, maliciosos ou debochados.
Agora o verde claro que Alina tinha encarado na capela parecia ter escurecido, como se o desespero tivesse escurecido seus traços suaves. Aquelas Iris Verde escuras a encararam de volta, e foi como se Alina estivesse encarando um espelho, refletindo todo o pânico enlouquecedor que corria por suas veias.Ela desviou o olhar, pois o tsunâmi de emoções que sentia já era suficiente, não precisava encarar seus medos estampados em outra pessoa.
A sombra não a perseguia, não ampliava seu desespero, e mesmo assim não era preciso para que o horror pulssasse nela à cada passo. E ela devia agradecer por isso, pois a sombra estava se distanciando cada vez mais das capelas, da garota ruiva que corria inútiomente, enquanto as sombras gargalhavam e gargalhavam audívelmente, não mais em uma risada silenciosa, seus membros agora sólidos carregando corpos desacordados até que de repente sumiram, como se tivessem sido engolidos pela terra, sobrando apenas uma fina e deslocada camada de gelo no chão que logo rachou e sumiu junto com as sombras e suas vítimas.
Alina e Christopher chegaram à praça principal e se juntaram a uma multidão que se formava no centro da praça, pessoas gritando e se acotovelando para se aproximarem dos oficiais que acolhiam parte deles sem dizer nada.
- Qual é o problema de vocês!? - uma mulher berrou ao lado de Alina, assistindo aos homens uniformizados despacharem pessoas em veículos militares, somente aqueles decorados com joias ou que tinham dinheiro suficiente para se vestirem contra o frio.
- Minha filha não está em lugar nenhum! - outra voz gritou em meio as pessoas, e uma enxurrada de protestos semelhantes ecoaram, preenchendo a noite junto com o som dos motores que se distanciavam mais e mais, deixando claro qual era a posição daqueles que ficaram.
E em meio aquela confusão de vozes, empurrões e brigas ocasionais, Alina não conseguia falar nada. Era como se ter gritado o nome da irmã metros abaixo do chão tivesse esgotado todas as suas energias, lhe tirado a voz. Queria continuar gritando, brigar com os outros e exigir ajuda ou explicações, mas não conseguia.
Tudo que fazia era deixar que pessoas passassem a frente dela, os músculos ainda tremendo e tendo espasmos que ela não sabia como controlar, e aquilo deixava a situação muito pior.
Alguém tinha se adiantado diante da multidão enraivêcida E marchava até os oficiais, erguendo o punho e berrando algo incompreensível na bagunça de gritos e arrastar de pés. Tochas tinham sido acesas entre eles e Alina pôde ver que o alguém que gritava com os oficiais era uma garota, provavelmente da mesma idade que ela, mas ela estava longe demais para ver qualquer coisa além da silhueta e do cabelo comprido da menina.
Porém, a distância que Alina se encontrava não foi um problema quando um dos homens fardados levantou a mão esticada no ar e desferiu um tapa no rosto da garota, que caiu de joelhos com a força do golpe com a cabeça virada para o lado. Outro oficial tirou a arma do coldre e disparou dois tiros para cima, fazendo os últimos gritos soarem antes do silêncio recair sobre eles de forma abrupta.
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A cidade das Lendas. (Darkfalls Número 1)
FantasyHá três séculos atrás, a mãe natureza teve sua vingança. Há trezentos anos, fogo subiu pela Terra e consumiu o que queria, destruiu continentes inteiros, mas, por algum motivo, deixou sobreviventes. Deixou também lendas, histórias marcadas a fogo es...